Jovem cego, morto na Operação Verão, foi confundido com 'Chip', diz relatório da Ouvidoria

Vítima era ex-marido da atual namorada de Kaique Coutinho, acusado de matar PM, e teria confundido policiais da Rota

Por: ATribuna.com.br  -  29/03/24  -  15:26
Hildebrando e Davi foram alvejados por policiais da Rota no dia 7 de fevereiro
Hildebrando e Davi foram alvejados por policiais da Rota no dia 7 de fevereiro   Foto: Arquivo pessoal

Em depoimento, familiares de Hildebrando Simão Neto, de 24 anos, dizem que ele foi morto durante a Operação Verão por ter sido confundido com Kaique Coutinho do Nascimento, de 21, acusado de assassinar um Policial Militar (PM) da Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota). Segundo relatório elaborado e divulgado pela Ouvidoria da Polícia Militar, a família conta que a ex-companheira do jovem era a atual namorada do suspeito conhecido como 'Chip', e por isso, o endereço de Hildebrando ainda constava nos cadastros pessoais da mulher.


Kaique foi flagrado por uma câmera corporal atirando contra o soltado da Rota, Samuel Wesley Cosmo, no dia 2 fevereiro, em uma comunidade de São Vicente. Depois disso, a polícia passou a realizar buscas para encontrá-lo. Em uma das diligências, em 7 de fevereiro, os agentes foram até a casa de Hildebrando, pois como ele havia se relacionado com a namorada de Kaique, teria sido confundido com o investigado.


Somente no dia após a morte do jovem, o rosto de Chip foi divulgado durante coletiva com a Polícia Militar e estampado nas redes sociais do então Secretário de Segurança Pública (SSP), Guilherme Derrite, que ofereceu recompensa de R$ 50 mil por informações que indicassem o paradeiro do acusado. Kaique Coutinho foi presono dia 14 de fevereiro em Uberlândia, interior de Minas Gerais.


Como já divulgado pela reportagem de A Tribuna, laudos médicos apresentados pelos familiares de Hildebrando comprovam que ele possuía uma doença degenerativa chamada 'ceratocone bilateral avançado'. Os documentos datados desde 2016 mostram que a doença avançou e ele estava cego de um dos olhos e tinha baixa visão no outro.


Por conta da condição, a família de Hildebrando afirma que ele precisava de auxílio para realizar várias atividades durante o dia, por isso, não seria fisicamente capaz de entrar em confronto com a polícia, como foi descrito no boletim de ocorrência (BO).


O amigo

Hildebrando foi baleado por policiais da Rota ao lado do amigo, Davi Gonçalves Junior, de 20 anos, enquanto tomavam café. O relatório informa que Davi trabalhava como entregador em uma loja de colchões e estava fazendo autoescola para ser promovido a motorista. O documento ainda detalha que ele trabalhava desde os 13 anos e, aos 18, perdeu o pai.Também é descrito que ele tinha o nome da mãe tatuado no peito.


No dia em que foi morto, Davi havia voltado do trabalho às 17h e, depois, foi para a aula na autoescola. Ao retornar, tomou banho e avisou a família que iria até a casa do amigo, Hildebrando. Após chegar na residência, teria encontrado o jovem deitado na cama e logo depois os dois foram surpreendidos pelos policiais.


A abordagem

No relatório consta que a mãe, a irmã, o sobrinho, de dois anos, e o filho, de quatro anos, estavam na sala assistindo televisão e tomando café quando os policiais da Rota invadiram a residência. Eles estavam sem mandado, identificação e não usavam a câmera corporal. Os agentes teriam perguntado pelo nome de uma mulher e questionado sobre quem mais estaria na casa. A mãe respondeu que o filho estava no quarto, mas não comentou sobre Davi, pois não sabia que ele estava na casa.


Logo depois, os policiais teriam ido até um 'puxadinho' onde ficava o quarto de Hildebrando e mataram os amigos. No BO, a polícia diz que os dois teriam apontado uma arma contra os agentes da Rota e por isso eles dispararam contra os jovens em legítima defesa.


No entanto, a família rechaça que os dois não tinham armas e não ofereceram qualquer resistência. Conforme o relatório, um deles foi atingido em frente a cama e o outro estava diante da pia do pequeno cômodo. Ambos foram levados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ao hospital, mas Davi morreu na mesma noite. Hildebrando não resistiu aos ferimentos e veio a óbito dois dias depois, em 9 de fevereiro.


Conforme as famílias, nenhum deles tinham antecedentes criminais. Testemunhas, que também prestaram depoimento junto a Ouvidoria, relataram que os policiais foram à paisana ao sepultamento dos jovens e tiraram fotos das pessoas presentes no velório.


A Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) foi procurada para emitir um posicionamento sobre o caso, mas, até a publicação da reportagem, não houve resposta.


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