Vencedor do The Voice+ fala sobre a carreira e como é ser artista no Brasil

Zé Alexanddre também comenta sobre o futuro após a vitória no reality

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  08/04/21  -  19:58
Zé Alexanddre faturou R$ 250 mil
Zé Alexanddre faturou R$ 250 mil   Foto: João Miguel Júnior/Globo

A voz de José Alexandre Gomes Coelho da Rocha e Silva sempre esteve por aqui, pelo menos desde os anos 1980. Mas o público abriu bem os ouvidos a Zé Alexanddre, como se apresenta, a partir do The Voice+, versão do programa para a terceira idade. Vencedor da primeira edição, Zé recebeu R$ 250 mil e as portas escancaradas à sua música, na outra parte do prêmio: um contrato de gravação com a Universal Music. Aos 63 anos, após tocar e cantar de tudo nos ‘bares da vida’, ter gravado jingles para Coca-Cola, Unimed e Hering, e de ter experimentado uma ponta de fama ao lado do amigo Osvaldo Montenegro, ele pode, enfim, encontrar o seu destino na música.


Como você chegou ao The Voice+?


Não fui eu que me inscrevi, foi um grande amigo, o Marcos Senna, designer gráfico. Ele entrou em contato comigo, como já fez várias vezes, ‘você vai receber o telefonema de uma produtora, fica atento’. Uma hora depois, ligou da Globo um cara, ‘Alexanddre, aqui é do The Voice+’, Não entendi, não sabia o que era esse ‘mais’. ‘Como? Eu não fiz contato nenhum...’, ‘O Marcos me passou o telefone...’, ‘Ah, miserável!’ (risos). Não me disse nada. Talvez ele tivesse receio que eu reagisse tipo ‘Que, the voice, que nada! já passou meu tempo’. O ‘mais’ fez a diferença para eu participar. Me senti dentro da minha casinha. Não estaria disputando como se fosse convidado a uma partida de futebol no Maracanã, com garotos de 18, 20 anos. A voz é imortal, ela não tem tempo. Mas se eu fosse no The Voice, competindo com um cara novão, uma mulher nova, cheia de charme, eu ia chamaria mais atenção do que a minha voz (risos).


Você cantou de Djavan a Queen. Você se considera sobretudo um intérprete?


Sou um cara essencialmente eclético. Canto de tudo, gosto de cantar tudo. E posso bater no peito e dizer: eu sei cantar tudo. Minha alma é de música, minha alma é cantar. Não é difícil pra mim passear pelos estilos e é o que eu faço nos meus shows. Meu show é muito doido, canto Louis Armstrong, depois uma valsa, depois Carinhoso. Faço uma salada de frutas grande e é isso o que eu gosto de fazer: brincar com as palavras, a sonoridade, e os ritmos.


Você vai gravar pelo menos um CD. Esse ecletismo não pode prejudicar o trabalho? Não vai parecer que você tá atirando pra todos os lados?


Escuto, ‘Você tem que definir um estilo’. Não, não tenho, vou cantar o que tô a fim. Com o Torquato Mariano, meu produtor lá no The Voice, ele me deixou muito livre. ‘Zé, o que você quer cantar?’, ‘Qualquer coisa, eu gosto de tudo’. You Give Me Something (de James Morrison) foi ele que sugeriu, um baladão meio soul, eu nem conhecia... ‘pensa em um repertório mais moderno, pra sair do que, presume-se, vai acontecer, do Carinhoso e tal’. Eu falei, ‘cê vai me desculpar, mas o que eu acho moderno é Lulu Santos em 1984’. Meu repertório tá lá em 1980. Pra minha satisfação basta cantar um Ataulfo Alves, um samba lá de 1952. Então ele mandou o James Morrison.


Tudo isso começou lá atrás, os anos 1970. Como a música entrou na sua vida?


Meu pai queria que eu fosse engenheiro. Ele era um excelente calculista de concreto armado. A vida inteira trabalhou com construção, botava cinco prédios pra cima, mas se ressentia da falta do diploma. Tentei fazer a vontade dele, mas sempre cantando. Minha família era musical, minhas irmãs cantavam, colocavam disco de Johnny Matis, Rita Pavone, Ray Conniff. Me chamavam pro futebol, eu às vezes adiava a pelada pra acabar de ouvir o disco do Glenn Miller. Eu poderia dizer que a música já nasceu comigo. Fiz esforço pra cursar engenharia, passei na Federal do Rio, mas em 1979 eu tranquei pra cantar Bandolins, com o Osvaldo (Oswaldo Montenegro).


Como você e Osvaldo se conheceram?


Em Brasília. Eu estudava com Paulo André, violinista fera. Éramos todos rapazotes, estudávamos no pré universitário. A gente estudava pra caramba e, pra aliviar, descíamos pra tocar violão. Adorávamos Cat Stevens. Ficávamos horas e horas tocando embaixo do prédio. Nessa época, o Osvaldo namorava a irmã do André. Um dia ele passou, ficou ouvindo a gente tocar. No dia seguinte, me chamou pra fazer um vocal, tocar percussão. Fui para o Rio em 1977, na faculdade de engenharia. Em 1978, o Osvaldo chegou pra cair dentro na carreira. Montamos um musical João sem Nome, na Aliança Francesa, da Tijuca. Quando foi o Bandolins, fechou a tampa. Tranquei a matrícula, comecei a trabalhar com ele.


Você sempre viveu de música, então. Como é isso no Brasil? Há um fosso muito grande entre ‘fazer sucesso’ e ‘ser músico’?


A dificuldade é extrema. Agora, então, com a pandemia, nem precisa dizer. Sempre foi muito sofrido. ‘Você é convidado do meu churrasco, mas, olha, leva o violão pra tocar uma musiquinha pra gente’, ‘Olha, não se preocupa, vai ter comida e bebida à vontade’. Esse é o pensamento do Brasil para com o músico: tocar por comida. Se eu pegar as propostas das casas noturnas... coisas do tipo ‘venha expor o seu trabalho, projeção não-sei-o-quê’; ‘não pagamos cachê, mas você será muito bem recebido e estará divulgado seu trabalho’. E quantas vezes ouvi, nos bares, ‘Zé, baixa o som do violão um pouquinho, baixa a voz... que o pessoal não tá conseguindo conversar’. Complicado.


Isso quando não há a marginalização do músico...


Sim, e é uma coisa antiga. Essa galera do samba, por exemplo, das décadas d 30, 40 e 50.... minha mãe chegou a cantar algumas vezes no programa de calouros do Ary Barroso, no rádio, mas o pai dela ficava ressentido, porque aquilo não era profissão de mulher. Música era uma coisa à margem, da gandaia, do submundo. Pra se ter ideia, eu era garotão, ia alugar um apartamento, quando dizia que era músico, precisava de dois, três fiadores. ‘O que você faz?’, ‘Eu sou músico, sou cantor’, ‘Não, mas o que você faz, qual a sua profissão?’. Não preciso nem alongar muito, a resposta tá aí: é triste. Ao mesmo tempo, o Brasil é um povo que tem a musicalidade do universo. Tá tudo aqui. É um país movido a ritmo.


Você acha que pode ser um exemplo para outras pessoas da sua idade fugirem daquele pensamento comum, ‘estou velho para isso’, e seguirem atrás de seus sonhos?


Não me vejo como um coroa... (risos). Me sinto como se fosse um cara de 25 anos que subiu no palco e ganhou um The Voice que não tem o ‘mais’. O que serve de exemplo, primeiro, é a minha voz, o meu trabalho. Se toco um instrumento afinado ou de boa qualidade, ele pode ter 100 anos, não importa. Mas, sob esse prisma (inspiração aos mais velhos), com certeza. Ainda durante o programa, recebi telefonemas até de parceiros antigos, ‘fulano tá pensando em se inscrever, mas tá meio receoso’. Para com isso! Nessa pandemia danada a gente olhando pra parede vendo lagartixa passar? Tem que mergulhar. Vai ficar em casa mofando? Vai perder o quê? Eu já falava isso pras pessoas, elas me diziam, ‘que coragem você tem’. Todo mundo tem coragem: é só arrancar de si.


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