Rapper de Guarujá responde ato racista que sofreu em batalha de rimas por meio da arte

No clipe e na letra de Escr*vo, o rapper Jotaerre desabafa sobre o racismo e ressalta o papel do rap como resistência

Por: Beatriz Araujo  -  12/12/21  -  06:47
No clipe e na letra de Escr*vo, o rapper Jotaerre aborda o insulto racial recebido durante uma Batalha da Conselheiro, tradicional evento de rap, criado por ele, em Santos: inspiração contra atos de preconceito
No clipe e na letra de Escr*vo, o rapper Jotaerre aborda o insulto racial recebido durante uma Batalha da Conselheiro, tradicional evento de rap, criado por ele, em Santos: inspiração contra atos de preconceito   Foto: Gabriel Dias/Divulgação

Durante uma batalha de rimas em agosto deste ano, em Santos, um rapper que apresentava o evento foi chamado de escravo por uma mulher do público. O caso foi levado à polícia, repercutiu nas redes sociais e, até mesmo, na televisão. Agora, meses depois, o mesmo rapper lança o videoclipe Escr*vo com o intuito de que a sua resposta ecoe mais alto do que o ato.


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Estamos falando de Paulo Sergio Dias Junior, conhecido como Jotaerre, de 32 anos. Natural de Santos e criado em Guarujá, ele é próximo do rap desde a infância, mas foi apenas em 2013 que estreou sua primeira música. Dois anos depois, imerso na cena musical, idealizou a Batalha da Conselheiro – que segue com edições semanais até hoje.


“É muito bom expor o que aconteceu. Mas as batalhas que faço e o rap, em si, nunca tiveram a mesma repercussão do que o ato que sofri. A música e a arte são muito maiores do que tudo isso. Se for assim, quantas pessoas terão que sofrer racismo para serem vistas?”, questiona. De qualquer modo, em toda sua trajetória de vida e arte, conta ele, essa foi a primeira vez que sofreu racismo de forma tão direta. Tanto que levou dois dias para que sua ficha, enfim, caísse. “Mas não me abalou, foi algo que com certeza me deu mais forças”, acredita Jotaerre.


“O que mais me deixou inconformado é que tenha alguém com esse tipo de pensamento e que, pior ainda, consiga falar algo assim a uma pessoa preta em um evento de rap”.


Da dor à música

Com essa situação ecoando na mente, um dia, ele resolveu transpor seus sentimentos para o papel, em uma poesia. “Eu só precisava escrever”. Após ver o resultado, com a ajuda de outros parceiros, os versos se transformaram em música e ganharam um videoclipe.


Disponível no YouTube, o clipe começa em ritmo introspectivo, falando sobre o peso do racismo. Até que, após um suspiro profundo, há uma virada agressiva, de resposta e repúdio. “Ali na música estão fatos que aconteceram. Não é algo da minha cabeça. Então, eu só estou mostrando como a gente vê essa situação”, explica.


Em relação ao ato, o último verso da canção deixa claro: “Aceita que o rap é preto”. Jotaerre diz que a frase não é contra os brancos que estão no rap. Mas, sim, uma crítica a quem pensa que o rap é dos brancos, por ver muitos deles na cena. “O rap é da cultura preta, periférica. Não se pode esquecer que o rap é preto”.


Batalha

ABatalha da Conselheiro acontece há seis anos – ficando sem reuniões apenas durante os meses de maiores restrições da pandemia. No total, são mais de 260 edições, que reúnem de 20 a 100 pessoas por semana. Jotaerre conta que, ao longo desses anos, aprendeu muito com os MCs de lá, e que todos os frequentadores também “evoluíram mentalmente”, juntos.


“No começo, não tinha muita regra. Então, rolava rima machista, homofóbica, de ‘humor negro’. Na época, o pessoal era inconsequente e achava graça”, conta. Mas, aos poucos, foi havendo uma mudança de postura e de pensamento dos envolvidos, deixando todos os preconceitos de lado.


“Nos meus eventos não rola mais esse tipo de coisa, nem de brincadeira. Há respeito acima de tudo”. Com isso, a Batalha da Conselheiro é encarada por Jotaerre como um momento de paz em meio à semana. “Lá, nós esquecemos dos problemas de casa e ficamos nos divertindo, passando conhecimento”.


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