Dirigido porAnna Muylaert e Lô Politi, o filme Alvorada estreou nesta semana no Festival É Tudo Verdade trazendo um olhar intimista sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff, acompanhando o dia a dia no Palácio da Alvorada durante todo o processo.
De um ponto de vista extremamente observador, o documentário elucida um momento político histórico pelos detalhes, revelando momentos da rotina profissional de Dilma enquanto chefe de Estado. O processo de impeachment e seus impactos na atmosfera do Palácio, bem como as reações populares ao seu desfecho, também são detalhadas pelas sutilezas, explorando simbolismos que ficam abertos à interpretação do espectador.
A tensão permeia todo o longa até o veredito final, que mesmo imerso em uma atmosfera de tristeza, tenta mostrar uma persona de dignidade e postura coerente na figura da presidente. A humanização de Dilma, revelando traços até então desconhecidos de sua personalidade enquanto profissional em serviço e estudiosa da política e literatura, fortalecem a narrativa dos acontecimentos.
Como a primeira mulher presidente do país, certamente Dilma enfrentou adversidades, e vários desses momentos de misoginia são denunciados em cena. Em um desses momentos, o discurso da presidente é cortado diversas vezes por um "colega" de partido, reflete-se a dificuldade que a presidente enfrentou em formar alianças em um país estruturalmente patriarcal e de pouco espaço dedicado às mulheres na política.
A narrativa ilustra a passividade do povo diante de um acontecimento que mudaria o curso da história. Em vários pontos, são filmados funcionários do Palácio em suas atividades regulares, em um ritmo que não é afetado pelos conflitos tão próximos– enquanto algo extraordinário acontecia no cômodo ao lado, as pessoas que não estavam em posição de poder não reagiam à situação, tampouco se sentindo afetadas por elas.
Nesse ponto, o roteiro é criativo em refletir sobre as falhas da democracia. O silenciamento do povo diante das decisões políticas que fluem ao seu redor, ilustrados no filme pelos funcionários, mostram as barreiras invisíveis que existem entre os homens de poder e os trabalhadores, impostas permanentemente enquanto todos estes dividem os mesmos espaços.
Há um discurso de falta de pertencimento na abordagem escolhida pelo documentário. A sensação de deslocamento da equipe que retrata um questionamento se "ali é seu lugar", mesmo estando presentes e ativos no dia a dia do Palácio, carrega um enorme vazio, possibilitado por vários silêncios durante o filme. Esse sentimento conversa diretamente com a saída da presidente, bem como todas as dúvidas que permeiam esse momento intenso da política nacional, ainda em desdobramento.