É preciso repensar a cor de Cristo, diz Boliveira

Para ele, arte é ferramenta de transformação

Por: Do Estadão Conteúdo  -  23/12/19  -  15:44
Para ele, arte é ferramenta de transformação
Para ele, arte é ferramenta de transformação   Foto: Estevam Avelar / Globo

Fabrício Boliveira acredita na arte como ferramenta de transformação. Seja no cinema, na televisão ou no teatro, o ator trabalha por bons papéis e tem ganhado cada vez mais espaço. No entanto, sabe que ainda é exceção à regra. Só neste ano, o soteropolitano de 37 anos marcou presença nos primeiros capítulos da novela das 21 horas da Globo, 'Amor de Mãe'; no especial de Natal, 'Juntos a Magia Acontece', e em filmes como 'Breve Miragem de Sol' e 'Simonal'. Sua luta por representatividade não para por aí. Ele deseja que algum dia deixe de ser classificado pela cor da pele.


“Queria que chegasse o momento em que eu não fosse mais chamado de ator negro; só ator. Negro eu já sou, no meu movimento, na minha história e cultura. Isso só vai acontecer quanto tiverem mais atores negros trabalhando. Num lugar em que haja harmonia no olhar”,afirma.


No especial de Natal da Globo, a ser exibido quarta-feira (25), o ator dá vida a André, um homem que se afastou da família e volta a se aproximar após a morte da mãe às vésperas da festividade. O personagem demonstra a dificuldade masculina de lidar com esse tipo de perda, o que Fabrício sinaliza como algo importante, afinal o desequilíbrio emocional nessa história não pertence às mulheres.


Inclusive, o intérprete conta que se identifica com o lado machista do filho de Orlando (Milton Gonçalves). “Eu me reconheço nesse lugar do machismo que aprisiona a gente e deixa meio refém desse lugar que parece confortável e realmente é em relação às mulheres. Mas, ao mesmotempo, ainda acho que os homens estão aprisionados. É poder falar da sensibilidade, pedir ajuda, estar próximo do ‘brother' e dar um abraço de verdade. Estou estudando muito sobre masculinidade”.


Em 'Juntos a Magia Acontece', Orlando procura uma ocupação para não se sentir um fardo nas costas da filha Vera (Camila Pitanga) e, nessa busca, se torna Papai Noel em sua vizinhança. O especial abre a reflexão de que uma figura tão conhecida como o bom velhinho não precisa carregar um estereótipo americanizado.


Segundo Fabrício, o simbolismo de existir um Papai Noel negro na televisão é importante e algo que faltou na vida dele, embora não pensasse sobre isso na época em que era criança.


“De algum jeito, faltou representatividade, pessoas negras ocupando outros lugares e personagens. Muito estranho no Brasil a gente ter um Papai Noel como se ele fosse americano. Eu, na verdade, não sei se acreditei muito no Bom Velhinho. Mesmo assim, é a gente poder repensar também a cor de Jesus Cristo, do Papai Noel, de onde ele veio. Talvez não acreditasse muito naquela imagem. Já propus até moqueca no Natal”, revela ele.


Nos últimos anos, a representatividade negra tem ganhado cada vez mais espaço dentro e fora da televisão, mas Fabrício sabe que há um longo caminho a percorrer. Afinal, incontáveis casos de preconceito racial resistem na sociedade. Para o ator, principalmente na dramaturgia, ainda faltam tramas que deem holofote ao que ele chama de “subjetividade negra” e que podem gerar maior identificação com o público.


“É difícil perceber que as pessoas não conseguem enxergar que somos humanos e temos direitos à sobrevivência, a poder estudar, contar a nossa história, nos relacionar,ter afeto, amor e respeito. Talvez, eu seja uma pontinha nesse universo. Só consigo acreditar na arte. Hoje, tenho tentado falar muito menos e agir mais”, reflete.


Participação especial


Nos primeiros capítulos de Amor de Mãe, Fabrício interpretou Paulo, ex-marido de Vitória (Taís Araújo). O rompimento do casal foi causado pelo desgaste da relação após anos tentando que ela engravidasse.


Depois do trauma da perda do primeiro bebê que eles esperavam, os dois insistiram no casamento até que Paulo deu um basta por já ter se envolvido com outra pessoa. Segundo o intérprete, a princípio, o personagem não volta para a trama de Manuela Dias.


“Foi só uma participação. É uma história bem peculiar, muito atual, essa coisa do casal que quer ter filho e não consegue. E há a reflexão sobre o fim de um casamento. Nesse caso, é uma relação madura, na qual ninguém necessita do outro financeiramente nem está emocionalmente dependente. A nossa tentativa nessa novela foi propor um casal bacana, mas com outros propósitos”, afirma.


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