A querida professora Roseli

Alessandro José Padin Ferreira. Escritor, professor universitário e jornalista

Por: Alessandro Padin  -  15/04/24  -  00:20
  Foto: Walter Mello/Arquivo/AT

Roseli não está mais aqui. Está, possivelmente, em lugar melhor do que estamos agora, como argumentam algumas crenças. Isso, no entanto, não serve muito de alento quando a manhã chega e você percebe que não vai encontrá-la no café da sala de professores, não vai fazer uma brincadeira, combinar um projeto futuro. A ausência física é um desafio para a humanidade que, em meio a tantas vaidades e ódios, ainda é um animal que tem um pouco de afeto e sente saudades. Hoje, na maior parte do tempo, choramos escondidos.


Roseli não está mais aqui e nos faz pensar sobre eternidades, legados, tempos perdidos e sobre o que vale a pena. A querida professora se foi em uma tarde de domingo e, menos de dois dias depois, a faculdade onde lecionava há tantos e tantos anos continuava seu ciclo normalmente, em busca de algo que, se me perguntar, não saberei responder. Formar profissionais para o futuro, proporcionar autonomia de pensamento para quem busca ou apenas alimentar estatísticas e crenças de que a vida é assim: uns vêm e outros vão?


Peço desculpas, Roseli. As ementas acadêmicas não falam sobre amor, amizade, lealdade, respeito e, principalmente, não abrangem as pequenas magias do dia a dia que deixamos lá na infância, pois alguém resolveu que são apenas fragilidades e perda de tempo. Um dia, seus amados e tantos alunos que tiveram o privilégio da sua companhia não vão se lembrar daquela aula, do teórico conceito, mas das suas delicadezas e generosidades. Isso pode não durar uma eternidade, mas mostra que vale a pena buscar o perene, mesmo que em doce utopia.


O poeta Manoel de Barros escreveu, certa vez, no poema De Passarinhos:


Para compor um tratado de passarinhos/É preciso por primeiro que haja um rio com árvores/e palmeiras nas margens/E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos goiabeiras/E que haja por perto brejos e iguarias de brejos/É preciso que haja insetos para os passarinhos/Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis/A presença de libélulas seria uma boa/O azul é muito importante na vida dos passarinhos/Porque os passarinhos precisam antes de belos ser eternos/Eternos que nem uma fuga de Bach.


O azul, como metáfora do eterno e amálgama dos passarinhos com o céu, os rios, os lagos e as flores, poderia ser a cor das salas de aula se pudéssemos levar a poesia para dentro delas. Mas Roseli, por hoje, falhamos. A poesia não enche planilhas e só é útil para que eu escreva esta despedida. É nossa única vitória, professora. Aqui não entram os relatórios, os documentos, as minúcias da burocracia e a mediocridade de quem, amarga, preenche os dias amargando os dos outros.


No entanto, amigos, aqui não se trata de uma peça de melancolia. É apenas a mão limpando a poeira no ombro, o suspiro que transforma o cansaço em um novo impulso e a fé de que enquanto pudermos, vamos levar em frente o legado da professora Roseli. Acariciar as feridas e repensar as perdas são grandes aprendizados para que esqueçamos esta obsessão pelo futuro e pensemos mais no presente; são vitaminas naturais para que, antes de querer mudar o mundo, mudemos a nós mesmos.


Para você, Roseli, com afeto, deixo um trecho do poema Cantiga para não morrer, de Ferreira Gullar:


Quando você for se embora/moça branca como a neve/me leve/Se acaso você não possa/me carregar pela mão,/menina branca de neve/me leve no coração.


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