Psicólogo dá dicas para entrar em 2021 com a saúde emocional em dia

Ralmer Rigoletto diz que, no novo ano, deve haver mais uma onda de ansiedade e as crianças pedem atenção

Por: Stevens Standke  -  26/12/20  -  20:00
  Foto: Divulgação

O ano de 2020 nos colocou em um verdadeiro turbilhão emocional, em todos os segmentos de nossas vidas. Agora, com 2021 mais perto do que nunca, vale parar, respirar fundo e analisar como andam os seus sentimentos, para que, no novo ano, o bem-estar completo seja uma realidade.


Diretor do Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade (CEPCoS) e membro da World Association for Sexual Health (WAS), da International Society for Sexual Medicine (ISSM) e do Comitê de Ética e Direitos Sexuais da Federação Latino-Americana de Sociedades de Estudos de Sexologia e Educação Sexual (Flasses), o psicólogo Ralmer Nochimówski Rigoletto elenca, a seguir, os principais impactos da pandemia no nosso emocional e indica formas de administrá-los.


Na entrevista, ele também fala dos cuidados que precisamos tomar com as crianças e com os adolescentes, para que continuem a ter um desenvolvimento socioafetivo normal daqui em diante. “Em 2021, devemos cultivar a esperança, tendo consciência de que ela não é algo passivo. Precisamos ser elementos ativos na construção do que queremos, para transformar nossos desejos em conquistas, em algo palpável”, afirma.


ANSIEDADE Do ponto de vista emocional, o que a gente deve observar para entrar bem em 2021?


Será preciso lidar com a grande expectativa criada pela vacina, de uma possível solução para a covid-19. De modo que, de um lado, há quem quer que o imunizante fique logo disponível e, do outro, as pessoas que estão desconfiadas dele, seja qual for. Isso tudo colabora para o surgimento de um quadro de ansiedade na maior parte da população, o que, em alguns casos, pode evoluir para uma depressão, ainda mais quando a gente está no limite.


A ansiedade é um sentimento que tem se feito bem presente desde o início da pandemia, concorda?


Sim. Tivemos algumas etapas na pandemia. Em um primeiro momento, a maioria das pessoas sentiu uma forte ansiedade, que, em quem já tinha um histórico, chegou até a evoluir para o pânico. Aí, com o tempo, aquele discurso de que a covid-19 veio para nos ensinar alguma coisa e de que devíamos olhar mais para o outro e exercitar a empatia, tudo isso desmoronou. A maior parte da população acabou ficando mais agressiva e intolerante. Tanto é que aumentaram a violência doméstica e familiar e as taxas de feminicídio. Daqui em diante, a ansiedade será retomada, de uma maneira diferente. Antes, a pessoa ficava ansiosa pela possibilidade de morrer; agora, a ansiedade será motivada pela possibilidade da cura e de uma melhora na situação do País e do mundo. A tendência é que a população vá se acalmando e passe a ter de novo uma maior tolerância e esperança, que é o contraponto da ansiedade.


Quais são as melhores formas de lidar com a ansiedade?


Antes de qualquer coisa, acho importante dizer que a ansiedade não é algo natural no ser humano, como muita gente fala. Ela precisa ser tratada por meio de medicação, com acompanhamento de um psiquiatra, ou fazendo um processo terapêutico, conduzido por um psicólogo. E há as formas alternativas de tratamento, como praticar uma atividade de que se gosta. A arte e a religiosidade, por exemplo, cumprem papel importante no controle da ansiedade. A espiritualidade ainda abre caminho para o altruísmo. Ao cuidar do outro, muitas vezes deixamos de olhar para as nossas questões, e isso não é necessariamente negativo. Ao ajudar em uma instituição beneficente, em uma creche ou asilo, há quem mude os seus valores e a maneira de enxergar os próprios problemas.


REORGANIZAÇÃO Como podemos explicar o fato de muitas pessoas terem deixado de aproveitar a pandemia para exercitar a empatia?


Vivemos em uma sociedade na qual, até então, nunca havia se pensado em uma quarentena ou em restrições do contato social. Enquanto as gerações passadas tinham consciência do que é um toque de recolher, por causa das guerras. Chegamos a um nível em que as pessoas deixaram de compreender por que devem ficar em casa, e justamente a restrição do contato social provoca as reações agressivas e de intolerância que vemos por aí. Basta lembrarmos como parte da população respondeu mal quando o governador falou de retomarmos algumas medidas cautelares para barrar a transmissão do coronavírus. E isso não aconteceu apenas no Brasil. Também houve situações parecidas fora do país.


Acredita que a expectativa pela vacina também pode gerar uma frustração coletiva, pois o processo de imunização não será tão simples assim?


Com a vacinação em andamento, vamos receber novas orientações, que trarão um sinal reconfortante, algo na linha do “daqui a pouco poderemos voltar a fazer o que fazíamos antes da pandemia”. Em função disso, a tolerância será reorganizada e retomada. A esperança vai fazer as pessoas se acalmarem e vislumbrarem um futuro melhor.


RESPONSABILIDADE É normal fazer um balanço da vida a cada fim de ano. O que mais deve ser ponderado ao deixar 2020?


Em geral, a gente analisa as nossas ações, se o que fizemos no ano deu certo ou errado, se atingimos as nossas metas. Só que, agora em 2020, isso foi meio que tolhido. No consultório, observo que as pessoas não estão tendendo muito para analisar o que devem melhorar ou não, porque, segundo elas, o controle da situação não está nas suas mãos.


Por acaso, há quem vai aproveitar a pandemia para se isentar da responsabilidade por seus atos?


O caminho para muita gente é esse. Inclusive, isso já está acontecendo com algumas pessoas. A exacerbação da militância política e dos grupos raciais ou de orientação sexual é uma forma de o indivíduo usar o que acredita e defende como um trampolim para se isentar da sua responsabilidade pelas coisas. Vamos pegar um exemplo triste, mas curioso da pessoa que não respeitou o isolamento social como deveria, contraiu covid-19 e passou o coronavírus para um parente, que acabou morrendo. Nesse tipo de situação, há quem não sinta culpa por ter transmitido a doença para alguém da família, porque, na sua visão, tudo aconteceu graças à pandemia, não pelo seu comportamento de risco.


NEGAÇÃO Isso tem alguma relação com o fato de várias pessoas andarem sem máscara na rua?


A atitude de não usar máscara, na realidade, é um mecanismo de negação do que está ocorrendo, pois geralmente essas pessoas chegaram ao seu limite. A minha mãe, por exemplo, entrou em um processo de negação e voltou a ir ao supermercado. Não adianta eu falar: “Não faça isso, a pandemia continua, os índices de contágio estão altos novamente”. Ela ouve, concorda e não muda sua atitude. Também não podemos esquecer que tem gente que não quer ver mais na frente os levantamentos de infectados e óbitos.


A negação traz uma espécie de conforto?


A pessoa em negação não suporta mais a situação que está vivendo; se as coisas continuarem do jeito que estão, ou ela vai entrar em um estado profundo de melancolia e se deprimir ou vai perder totalmente a esperança. Aliás, teve gente que já perdeu a esperança e, em alguns casos, até se colocou em situação de risco, por achar que todo mundo, uma hora ou outra, teria covid-19. Algo similar também aconteceu nas épocas de guerra, com famílias que ficavam escondidas e, de repente, um dos membros, por não aguentar mais o confinamento, saía na rua mesmo sabendo que ia morrer. Vemos bastante esse tipo de surto em filmes de ficção científica, quando a pessoa sai da nave espacial e se joga no universo, abrindo mão da sua vida.


RELAÇÕES Que tipo de reflexões serão comuns daqui em diante?


Uma delas será: “O trabalho atende as minhas expectativas? Sou feliz com o meu emprego atual?” Principalmente no caso das empresas que aderiram definitivamente ao home office. Em nível familiar, muitos parentes vão voltar a se encontrar num processo de reorganização estrutural, pois perderam uma avó, uma mãe, um primo, um tio... Já nas famílias que não tiveram perdas, acredito que a tendência é retomarem o modus operandi de antigamente.


Ao mesmo tempo, também deve haver reestruturações familiares motivadas pelo alto número de divórcios na pandemia.


É verdade. O isolamento social deflagrou problemas que já existiam nos casais e que eles não enxergavam. Com a volta de uma vida social normal, essas pessoas que se separaram vão tentar se organizar em novos grupos e relacionamentos. No que diz respeito aos solteiros, nos meus atendimentos, reparei que a grande maioria passou a conhecer e buscar as plataformas e aplicativos de relacionamento. Mesmo que o encontro pessoal não tenha acontecido, houve o desenvolvimento de uma relação virtual. Estamos diante de um novo script para os relacionamentos amorosos. Pelo que vejo, as pessoas não vão se conhecer presencialmente até julho ou agosto de 2021. Elas continuarão usando as plataformas e apps para buscar alguém para se relacionar e, aos poucos, se permitirão ter encontros presenciais.


E quanto aos reflexos da pandemia na vida sexual da população?


O isolamento social estabeleceu três perfis distintos. O das pessoas que já tinham medo de fazer sexo por conta das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e que ficaram ainda mais receosas de adoecer. O das pessoas que exacerbaram e, por não temerem as ISTs, não se cuidaram quanto à covid-19 e se lançaram em encontros sem tomar as medidas necessárias de precaução. No meio disso, há o terceiro e último perfil: o das pessoas que pretendem ter um vínculo afetivo-sexual normal e saudável quando tudo melhorar.


MELANCOLIA Que outras transformações emocionais trazidas pela pandemia merecem destaque?


As pessoas ficaram mais melancólicas, por causa do isolamento social. Em alguns casos, isso se manifesta por meio de uma hipersensibilidade. Tanto é que, hoje, tem muita gente que cai no choro com o pôr do sol. Essa melancolia vai continuar existindo por um bom tempo e será evocada toda vez que vivenciarmos algo semelhante ao que nos trouxe tristeza na pandemia. Os recursos para lidar com esse sentimento são os mesmos para combater a ansiedade, que citei no início da entrevista. Também sugiro tentar estabelecer contato, ainda que virtual, com as pessoas para compartilhar tristezas, de modo que uma dará suporte para a outra.


CRIANÇAS O que os pais devem observar no comportamento dos filhos, ainda mais depois de tudo o que vivemos em 2020?


As crianças não só ficaram mais agressivas como carentes. Os pais não conseguem entender que, mesmo estando em tempo integral em casa, os filhos apresentaram um certo nível de carência, talvez porque a família não forneceu o suporte emocional necessário. E essa carência vai ficar mais evidente e forte com a volta às aulas e o retorno dos pais ao trabalho presencial. Em 2021, é fundamental olharmos com mais atenção para as nossas crianças, oferecendo todos os recursos possíveis para que retomem o seu desenvolvimento socioafetivo, dentro de níveis considerados normais.


E quanto aos adolescentes?


Naturalmente, eles têm uma tendência ao isolamento, mas, na pandemia, conseguiram manter mais contato com os seus grupos de amigos do que as crianças, graças à tecnologia. O cuidado é o mesmo: tomar todas as medidas necessárias para que o desenvolvimento socioafetivo dos adolescentes se restabeleça, de forma tranquila e adequada.


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