'Ironmãe' prova que nunca é tarde para seguir seus sonhos no esporte

A atleta santista Rosecler Costa será a primeira brasileira a fazer prova de ciclismo de 1,5 mil km nos EUA

Por: Stevens Standke & Da Redação &  -  03/06/19  -  11:16
A atleta santista Rosecler Costa, mais conhecida como Ironmãe
A atleta santista Rosecler Costa, mais conhecida como Ironmãe   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Uma históriainspiradora de superação e paixão pelo esporte.Assim pode ser resumida a trajetória da atleta amadora santista Rosecler Costa, de 41 anos. Ela começou cedo a treinar e se destacar nas provas de triatlo, mas sua vida acabou tomando rumos que a distanciaram do esporte. Até que aos 34 anos – já casada, com dois filhos e tocando um negócio de transporte escolar –, resolveu voltar a competir. Rapidamente, Rose obteve resultados expressivos e passou a subir no pódio acompanhada de seus “dois amuletos” (os filhos Rogério, de 9 anos, e Marcela, de 12), o que lhe rendeu o apelido de Ironmãe.


“A Marcela já compete, é uma nadadora federada. O Rogério é mais tranquilo quanto a isso, mas gosta de jogar bola”. O próximo passo da santista foi investir em provas de ultraciclismo com distâncias cada vez maiores – no dia 11, ela será a primeira brasileira a encarar os 1,5 mil km da Race Across the West, nos EUA. Ela também se aventurou como palestrante motivacional, já que sua trajetória tem inspirado muita gente a ir atrás de seus sonhos.


Na entrevista a seguir, Rose fala da preparação para o circuito


DESAFIO O que a levou a disputar a Race Across the West?


Dentro do triatlo, já cumpri algumas metas. Ganhei várias distâncias: short triatlo, triatlo olímpico, Ironman, Meio Ironman. E fui três vezes para o campeonato mundial de Ironman. Em 2017, ainda participei do Ultraman, uma prova de três dias com distâncias bem longas. Só que a gente que é atleta sempre quer mais. Como sou apaixonada por desafio e, entre as modalidades do triatlo, o ciclismo é a de que mais gosto, pensei em me aventurar na Race Across America, prova de quase 5 mil km, em que você cruza os EUA, de oeste a leste, pedalando. Mas a organização não deixa fazer o circuito sozinho na primeira vez, precisar ser em equipe, e eu não arranjei ninguém para ir junto comigo. Foi aí que descobri a Race Across the West, que tem a mesma organização, estrutura igual à da Race Across America e seu percurso de 1,5 mil km é usado como classificatório para fazer os 5 mil km. A gente larga com os atletas da Race Across America e, quando chega aos 1,5 mil km, para. O trajeto da Race Across the West sai de Oceanside, na Califórnia, passa pelo deserto do Arizona, Utah e termina nas Montanhas Rochosas, do Colorado. Dizem que é a parte mais dura da Race Across America.


Como está a expectativa?


A Daniela Genovesi, de São Paulo, já disputou a Race Across America (que teve início nos anos 80), mas nenhuma brasileira participou da Race Across the West desde que a prova começou em 2008. Eu serei a primeira. Por mais que os prêmios sejam apenas uma medalha para o campeão e os títulos de rei e rainha para quem completa em menor tempo os trechos mais difíceis do trajeto, o que importa de verdade para mim, como atleta amadora, é a superação de concluir o percurso. Sempre me dei muito bem com provas mais longas, porque elas desafiam não só o corpo como a mente, mostram que conseguimos ir além dos nossos limites. Isso transforma, traz uma força interior, faz com que olhemos os problemas do dia a dia de outro modo, parece até que alguns ficam menores.


Sua meta é ir para a Race Across America em 2020?


No momento, estou focada na preparação para a Race Across the West e em conseguir completar o trajeto dentro do tempo, ou seja, fazer a prova em até 3 dias e 20 horas. Só depois disso é que vou pensar se irei tentar os 5 mil km.


EQUILÍBRIO O seu dia a dia está dividido de que forma?


Tirando os treinos, levo uma vida normal. Tenho dois filhos, marido, amigos e sou dona de casa. O grande lance é equilibrar o pessoal e o familiar com o trabalho e um propósito de vida que nos move, o esporte no meu caso.


Como tudo começou?


A natação foi meu primeiro contato com o esporte, aos 7 anos. Eu não gostava de nadar na época, fazia por causa da bronquite. Aos 15, passei a ir assistir às provas de triatlo da Cidade, para acompanhar duas amigas que tinham pais atletas, e me apaixonei pela modalidade. Isso me levou a trabalhar como staff das provas e fiz amizade com uma turma do biatlo (natação e corrida), que me chamou para a escolinha do clube Vasco da Gama. O próximo passo foi me inscrever em provas. Comecei a me destacar, a ir para o pódio. Aí, com 17 anos, ganhei uma bike da minha mãe e a minha primeira atitude foi disputar o Triathlon Internacional de Santos. Surpreendentemente, venci a minha categoria, e participei de mais provas. Só que a vida me afastou do esporte.


O que houve?


Várias coisas ocorreram: sofri um acidente e tive um outro probleminha de saúde, entrei na faculdade de Publicidade, consegui um estágio, fiz pós em Marketing, trabalhei na área, conheci meu marido e tive dois filhos. No meio do caminho, também deixei a Publicidade e fui empreender no ramo do transporte escolar. Aprendi demais com o meu próprio negócio, cresci, ganhei autonomia, tive um outro parâmetro da vida. Tudo isso fez com que, a partir dos 24 anos, eu fizesse zero esporte. Eu não andava nem na praia.


IRONMÃE E como foi que voltou para o esporte?


Com 34 anos, eu já estava com a vida estabilizada e perguntei para o meu marido se ele, que sempre quis me ver competir, apoiaria a minha vontade de retornar para o esporte. Ele disse que sim. Senti que precisava fazer isso, sabe? Acredito que, para você estar bem com os outros, primeiro tem que estar bem com você mesmo.


Às vezes, me pegava estressada, sem paciência... E também queria encher os meus filhos de orgulho. Voltei com tanta vontade ao triatlo que me destaquei de novo. Ao subir no pódio, passei a levar junto os meus dois amuletos. As pessoas estranhavam, por acharem que não dá para ser mãe e atleta de alto rendimento. Por conciliar a vida de mãe, dona de casa, esposa e atleta, acabei inspirando muita gente a buscar seus sonhos e recebi o apelido carinhoso de Ironmãe.


Quais foram os relatos mais interessantes das pessoas?


Desde que fui campeã do Ironman Brasil em 2014, recebo muitas mensagens. As pessoas costumam dizer que, ao verem minha história, ficam motivadas a desengavetar projetos antigos, que tinham ficado abandonados no passado. Outras falam que começaram a praticar atividade física por minha causa. Em função disso, passei a ser chamada para fazer palestras sobre a minha experiência com o esporte e, em 2017, saí do ramo do transporte escolar para focar nessa área. O esporte mudou a minha vida completamente. Gosto de fazer a seguinte analogia: se conseguimos superar desafios dentro do esporte, também conseguimos superar problemas na vida pessoal e profissional. Acredito no esporte como caminho de transformação do ser humano, ele é uma maneira de elevarmos nossa autoestima e nos ajuda a encarar dilemas do mundo moderno, como a depressão.


PREPARAÇÃO Como têm sido os treinos para Race Across the West?


Estou me preparando desde janeiro, com vários treinos durante a semana, na estrada e indoor. Faço um trabalho de periodização com o meu técnico, no qual fui aumentando a distância que pedalo gradativamente. Comecei com 50 km, 70 km, no máximo 100 km. Na semana retrasada, fui de bike para Campos de Jordão e voltei, o que deu quase 900 km. Também incluí no planejamento participar das provas chamadas Audax Randonneurs, para ir testando a minha progressão nas distâncias, pois há desde o circuito de 200 km até o de 600 km – é bom dizer que, infelizmente, não há competições de ultraciclismo no Brasil; para poder fazer essas provas mais longas, a gente tem que ir para os EUA ou para a Europa. E completo os treinos com um trabalho de musculação. Por um período, ainda nadei, porque a natação auxilia bastante na recuperação do atleta.


Tem como dormir na prova?


O sono é obrigatório. Além de ser monitorado pelo staff da Race Across the West durante o trajeto, o atleta carrega um chip que permite à organização saber tudo o que ele faz. Portanto, se você pedala muito tempo sem pausa, acaba tomando uma advertência. É preciso montar uma estratégia nesse sentido, para não comprometer o rendimento na prova. Estarei com o suporte de uma equipe e de um motorhome. De uns três meses para cá, tenho diminuído gradativamente a minha quantidade de horas de sono, para tentar simular a reação física. Será bem estressante lidar com isso.


DOR Quem não é do meio costuma achar que os atletas de alto rendimento têm saúde impecável, só que a realidade não é essa...


Com certeza! Quem foca no alto rendimento fica mais propício a ter todo tipo de comprometimento e lesão. Eu faço um trabalho muito grande com equipe multidisciplinar, formada por médico, fisioterapeuta e massagista para tentar evitar o pior. Porque tenho artrite, artrose e condromalácia. O grande lance do atleta de alto rendimento é que, desde que o problema não seja sério demais, a ponto de afastá-lo do esporte, ele acaba aprendendo a lidar com um nível maior de dor. Lembro que no Ultraman, em 2017, lá pelo km 50 dos 84 de corrida, o meu joelho esquerdo, que é o que está mais prejudicado, começou a doer absurdamente. Pode parecer loucura, mas me pus a conversar com o joelho e consegui desviar o meu foco da dor até completar a prova. Depois, precisei de um belo tratamento.


Confira entrevista completa na edição deste domingo (2) da AT Revista.


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