Especialistas ensinam como mandar o tédio embora no isolamento social

A solução para que todos os dias não pareçam iguais passa por se reconectar com sua essência e buscar atividades prazerosas. Entenda como

Por: Por Joyce Moysés  -  24/05/20  -  19:10
Formas de suportar o tédio podem ajudar a pessoa a se reencontrar
Formas de suportar o tédio podem ajudar a pessoa a se reencontrar   Foto: Adobe Stock

Quem ainda não ouviu (ou mesmo fez) o comentário de que na quarentena todos os dias parecem que são um só? Quem, nesse período de isolamento social, já não se sentiu preso no “feitiço do tempo”? Muita gente deve lembrar do filme homônimo, com o ator Bill Murray indo cobrir o Dia da Marmota e acordando por muitos dias na mesma data.


“Quando eu reclamo que tanto faz ser domingo ou segunda por não poder sair de casa, me consola lembrar da mensagem desse filme: de que, hoje, podemos ser e fazer diferente do que fomos e fizemos ontem”, diz a produtora de eventos Marisa Dios.


O tédio é um tema que bateu fortemente no psicólogo da Marinha, pós-graduado em Clínica Psicanalítica e Mestre em Psicologia Clínica Haendel Motta, por também estar isolado em casa, trabalhando remotamente. “Entramos em 2020 com uma expectativa positiva e não está sendo nada daquilo que esperávamos. De uma hora para outra, o sentido para onde a gente ia teve de ser adiado ou deixado de lado”, analisa ele, acrescentando que junto a essa quebra de expectativa tem a necessidade de ficar com a agenda em stand-by, até que baixe o perigo de adoecer seriamente.


Falta de estímulos externos
Nesse momento de espera e isolamento que afeta o mundo todo, o psicólogo destaca uma passagem da saga Game of Thrones, quando o Rei Stannis diz à filha que o tédio que ela sente indica “lack of inner resources”. “Podemos traduzir isso por ‘falta de recursos internos’, mas gosto mais de ‘falta de vida interior’. É que o tédio vem com força quando só contamos com os estímulos externos. Antes da pandemia, havia muitos. Era só a gente sair de casa para encontrar pessoas, realizar projetos de trabalho, ter diversão de inúmeras formas. Com a chegada do coronavírus, esses estímulos foram arrancados de nós abruptamente".


Para Motta, esse período coloca muitas pessoas à prova. Há as que vão suportar melhor essa carência de estar com os amigos, de ir a bares e à praia, de visitar clientes e trabalhar em grupo, de jogar futebol ou se exercitar na academia; enquanto outras se sentirão solitárias e entediadas “porque, sem esses estímulos externos, não têm nada. Elas se viram, de repente, separadas de tudo que ficou do outro lado da porta e não acham graça nessa história de ficarem paradas, pensando”, explica.


Para dar asas à imaginação.Como ajudar quem está sofrendo de tédio a acender sua chama interna? “A realidade deixa esse convite, essa brecha, para as pessoas pensarem que nem tudo está lá fora”. Vale buscar desenvolver um conhecimento e pesquisar sobre algum assunto de que gosta, pois isso ajuda a reconectar com o seu “eu”. 


O psicólogo avisa que o ócio pode ser criativo para quem já encontrou dentro de si esse recurso interno, para poder dar asas à imaginação, de repente indo buscar na internet algo que sacie a sua criatividade e os seus interesses específicos, tendo um objetivo em vista. Caso contrário, pode-se ficar entediado na web, quando esgotar aquilo que servia como entretenimento. Já se você pensar que o entretenimento não é só de fora para dentro e pesquisar coisas com as quais se identifica intimamente, mais facilmente afastará o tédio.


A antropóloga e professora universitária santista Mirian Goldenberg, autora do livro Liberdade, Felicidade e Foda-se!, encontrou no YouTube uma entrevista que a alimentou de equilíbrio. Foi com o psiquiatra judeu Viktor Frankl, que sobreviveu a quatro campos de concentração graças ao que chama de “vontade de sentido”.


Com esse sábio, Mirian aprendeu que, ainda que a vida atual esteja marcada por tantas incertezas e por medo, “podemos escolher nossa atitude. O que dará sentido à nossa vida quando tudo terminar? E o que pode dar sentido à nossa vida aqui e agora?”.


Sua história, sua essência
Outra ideia para afastar o tédio é buscar na sua memória algo curioso que já teve de aprender ou algum talento que acabou deixando de lado. “Esse é o momento de dar vazão, oportunidade, aos seus recursos internos. Há quem vá fazer aquele bolo inventado pela avó. O legal desse caminho é que pode estabelecer uma ponte com o seu passado. Existem várias maneiras para isso. Além de receitas, tem muita gente que tirou um tempo para arrumar os armários e encontrou papéis antigos e fotos marcantes”, comenta Haendel Motta.


Segundo o psicólogo, algo assim costuma se tornar tedioso quando a gente “passa batido”, não dá valor a esse movimento de voltar ao passado, que, na verdade, é de mergulhar dentro de nós. 


“Tem gente que evita arrumar as gavetas, porque não quer encontrar passagem desagradável. Ainda assim eu incentivo, pois também terá lembranças boas, capazes de preencher o vazio. É melhor fazer essa viagem interior do que cair no tédio de esgotar as diversões do celular e da TV”, continua ele, sugerindo que cada um procure nesses aparelhos aquilo que linka com seu passado. Podem ser comidas, cartas antigas, hobbies... “Temos a oportunidade de pausar a correria para revisitar nossa trajetória, e há tesouros ali”. 


Ações colaborativas
Elas são outra forma de preencher esse “inquietante vazio”, de acordo com o gestor escolar e economista Walter Moreira Neto, da Rede de Ensino Novo Tempo. “O pensamento crítico-reflexivo que buscamos nos alunos foi experimentado por nossa equipe. Nos questionamos sobre como poderíamos ser exemplo de colaboração e cidadania para a sociedade. A partir daí, surgiu a parceria com a Santos Hacker Clube e a ideia de usar nosso Laboratório Maker para a criação de protetores faciais, produzidos pela nossa impressora 3D, a fim de proteger centenas de profissionais da saúde da Baixada Santista”. 


Para ele, mesmo reconhecendo que é frustrante abrir mão do contato físico e de atividades prazerosas, “ter comportamento colaborativo ajuda a transformar a sensação de tédio em algo muito maior, que é: descobrir novas formas de viver com satisfação”.
Nas palavras de Viktor Frankl: “Quando a situação for boa, desfrute-a. Quando for ruim, transforme-a. Quando não puder ser transformada, transforme-se”.


Logo A Tribuna
Newsletter