Entenda como a pandemia mudou e vai continuar mudando a forma como utilizamos os serviços de saúde

A busca pela vacina, a realidade da telemedicina, mais precisão nos diagnósticos com o uso da tecnologia.... Essas são algumas das lições importantes trazidas pela covid-19

Por: Thaís Lyra  -  21/07/20  -  01:42
  Foto: Foto Adobe Stock

Qual será o novo normal que a covid-19 estabelece na área da Medicina? O que a pandemia já mudou e pode transformar nos próximos meses ou anos tem sido motivo de discussão e especulação. Fato é que nada mais será como antes. 


“Nem podemos falar em cenário pós-pandemia, porque ela ainda não acabou e teremos convívio com ela por mais um tempo. Mas o principal ponto relacionado à covid-19 é a introdução da nova vacina no calendário oficial de vacinas. Outra coisa muito importante é o comportamento da doença, que surgiu como uma enfermidade respiratória, mas que se mostrou mais complexa e capaz de deixar algumas sequelas em quem a contrai”, explica o infectologista Evaldo Stanislau. 
Segundo o médico, alguns pacientes, mesmo curados, apresentaram sintomas variados, como fraqueza, mal-estar, tontura, incapacidade de realizar as atividades que antes fazia. “E temos até sequelas mais graves, como comprometimento da capacidade pulmonar e um gatilho para algumas doenças, principalmente em idosos”. 
Esse panorama poderá prolongar em algumas pessoas o uso de anticoagulantes, especialmente aquelas que possuem fatores de risco para doenças vasculares ou cardíacas, que vão precisar ter o seu quadro constantemente avaliado, continua o infectologista. 
Mais assertividade 
Stanislau acredita que haverá melhor vigilância das doenças infecciosas, que têm disseminação muito rápida. “É algo irreversível. Antes, o paciente ia ao médico com um quadro de tosse, gripe e saía de lá sem saber ao certo se era um vírus ou bactéria que o atingiu e com um diagnóstico inconclusivo, o que sempre achei inaceitável. Agora, isso não cabe mais e já temos tecnologia para esses agentes, para saber se é gripe e qual tipo”. 
Para o médico, o uso da máscara veio para ficar. “Ela sempre fez parte da cultura oriental; independentemente de pandemia, a pessoa a usava quando tinha algum sintoma. Isso vai continuar”. 
O especialista, que foi infectado pelo novo coronavírus, acredita que a pandemia serviu para derrubar o mito de que faltar no trabalho é “feio”. “Antes, o sujeito se sentia mal, tomava um comprimido e ia para o serviço. Isso não existirá mais, é uma questão de segurança para o trabalhador e para todos da empresa. Uma pessoa com febre não pode ir para o seu ambiente de trabalho. E o home office foi muito positivo nesse sentido para evitar a propagação de doenças”. 
A própria maneira de exercer a Medicina já mudou, afirma o infectologista. “A pandemia reduziu os gastos com exames de laboratório que não precisam ser feitos toda hora. Os profissionais vão utilizar melhor e com mais equilíbrio os recursos diagnósticos e as ferramentas médicas. E isso inclui a teleconsulta, teletriagem e até a possibilidade de conversar com outros médicos de outras cidades para trocar uma ideia sobre possíveis diagnósticos”. 
Tudo interligado 
Nesse sentido, a implementação do chamado point of care testing (algo como entrega rápida de resultado) também se destaca. “Ele é muito importante dentro do campo do desenvolvimento do diagnóstico, porque é capaz de dar respostas sem que a pessoa precise fazer deslocamentos e ajuda a evitar aglomerações”. 
De acordo com o Portal PEBMED, site de notícias e atualizações em Medicina, os point of care testings (PoCTs) já são realidade nos serviços de saúde em vários países, inclusive no Brasil, e podem ter aplicabilidade clínica tanto em hospitais, nos seus diversos setores (emergência, enfermarias, centro cirúrgico, unidades de terapia intensiva, no próprio laboratório central), quanto em ambulâncias, farmácias, clínicas, consultórios, campanhas de saúde e até mesmo na própria casa do paciente. 
“Em virtude de sua operação relativamente simples e automatizada, mediante programas de treinamento operacional (que podem ser feitos por plataformas on-line), e aliados a uma competente assessoria técnico-científica, profissionais da saúde que não possuem formação/experiência em atividades laboratoriais podem facilmente ser instruídos para o seu correto manuseio, operação e interpretação dos resultados”, escreveu o médico Pedro Serrão Morales no portal. 
Anderson Mendes, presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), entidade sem fins lucrativos, diz que o uso da tecnologia como ferramenta médica será tendência. No entanto, o olhar humanizado para a situação de cada pessoa é fundamental para cuidar da saúde física e mental da população.


“No cenário pós-pandemia, não retornaremos à normalidade. A telemedicina, por exemplo, veio para ficar. A pandemia acelerou o uso dessas tecnologias, mas a mudança não será tão radical. Será um processo, pois as pessoas também desejam e precisam do contato físico com o médico. Então, iremos mesclar o antigo normal com o novo normal”. 
Novos paradigmas 
Para Mendes, a telemedicina pode auxiliar, por exemplo, no uso seguro dos prontos-socorros, essencialmente para urgências e emergências. Assim, o profissional faz o primeiro atendimento a distância e encaminha ao PS se for necessário.


Mas Mendes garante que se trata de um grande desafio. “Nós teremos pessoas que vão sair normalmente e irão ao pronto-socorro por opção e vamos ter aquelas que precisam, de fato, de atendimento, como é o caso dos doentes crônicos”. 
A grande questão é estratificar e segmentar esses diferentes grupos e pensar nas melhores soluções para atendê-los. “Teremos que segmentar ainda mais e entender os públicos no pós-pandemia, pois haverá uma mudança de comportamento das pessoas”.


Mendes acrescenta que existe a tendência da sobrecarga do sistema por conta da retomada gradual da rotina, já que muitas cirurgias eletivas e consultas foram adiadas para dar prioridade ao tratamento dos casos de covid-19. “No entanto, é algo que irá se estabilizar ao longo da retomada das atividades”.


Por falar em volta, Evaldo Stanislau não acredita que haverá mudanças de comportamento tão grandes assim, a não ser das pessoas que perderam alguém muito próximo. “Nas outras situações, é questão de tempo até se retomar os velhos hábitos. Se depender das pessoas, ainda passaremos por várias epidemias. Infelizmente, temos um modelo de consumo predatório, somos ecologicamente muito ruins, o que propicia que agentes que deveriam ficar no reino animal estejam entre nós. A mudança virá com a mudança de padrões e pela Ciência”.


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