Combinar álcool com medicamentos pode trazer riscos sérios à saúde

Alcoolismo, juntamente com as hepatites virais, responde pelas principais causas de cirrose e transplante de fígado

Por: Júnior Batista  -  08/03/20  -  12:57
  Foto: Adobe Stock

Os números assustam. O consumo de álcool no Brasil está bem acima da média global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O brasileiro ingere, em média, 8,7 litros de bebida alcoólica por ano, enquanto, no mundo, o número fica em 6,4 litros. Somos o quinto país da América que mais bebe.


Segmentando mais os dados, o Ministério da Saúde apontou que 34,2% dos homens de 25 a 34 anos e 18% das mulheres de 18 a 24 anos fazem uso abusivo de álcool. Em 2018, cerca de 2,8 milhões de pessoas morreram em decorrência do álcool no planeta.


E como se não bastassem os potenciais riscos das bebidas ao organismo, há os perigos de se misturar remédios com álcool. 


“O consumo dessas bebidas afeta potencialmente o aparelho digestivo, e é inegável a interferência em outras áreas do corpo, como os sistemas nervoso, cardiovascular, hematopoiético, reprodutor, além de deficiências vitamínicas. O abuso no consumo de álcool também é considerado como importante fator de risco para o desenvolvimento de tumores de esôfago, laringe e carcinoma hepatocelular. O alcoolismo, juntamente com as hepatites virais, responde pelas principais causas de cirrose e transplante de fígado”, afirma a médica hepatologista do Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital das Clínicas (HC), de São Paulo, Gleicy Luz Reinoso Pereira.


O médico da família Carlos Gomes ressalta que quase 80% das pessoas já usaram álcool em toda sua vida, seja com maior ou menor frequência. Um consumo considerado pesado, que é de mais de 20 vezes ao mês, é a realidade de 7% da população mundial. 


“O álcool é uma droga que age no sistema nervoso central e tem duas fases de atuação (bifásica). Inicialmente, como estimulante (euforia, desinibição, sociabilidade, prazer e alegria). Em um segundo momento, como depressor (reduz ansiedade, prejudica a coordenação motora, fala etc.)”.


As principais alterações acontecem da seguinte forma: sistema nervoso, distúrbios neurológicos graves, alteração de memória e lesões permanentes do sistema nervoso central; sistema cardiovascular, com arritmias agudas, aumento da pressão arterial, hipertensão arterial com maior risco de apresentar infarto e acidente vascular 
cerebral (derrame), e sistema gastrointestinal, com gastrite, úlcera, câncer de boca, esôfago e faringe, esteatose hepática (gordura no fígado), cirrose hepática, pancreatite aguda.


Grandes vilões


As misturas são muito prejudiciais. Gleicy ressalta que diversos medicamentos interagem com o álcool, mas alguns deles são extremamente perigosos, como paracetamol, dipirona, AAS, anti-inflamatórios não hormonais (AINES), antipsicóticos, anti-istamínicos, benzodiazepínicos, anticonvulsivantes, anticoagulantes e antidepressivos.


“Nesses casos, o medicamento, ao ser ingerido pelo paciente, é metabolizado imediatamente por enzimas do fígado. Ocorre que o etanol altera a expressão ou 
a ativação de algumas das enzimas, modificando a farmacocinética e a farmacodinâmica da droga”. 


Ou seja, ele pode tanto parar a ação do remédio quanto reforçar o seu efeito, fazendo com que o organismo “pense” que está ingerindo mais medicamento do que realmente ingeriu.


Ainda de acordo com a médica, quem tem doenças pépticas, como as gastrites, corre o risco de ter uma hemorragia digestiva. Em diversos pacientes, o uso crônico de álcool e medicamentos pode levar a casos de cirrose. “A combinação com outras drogas e/ou medicamentos ainda pode potencializar o efeito depressor e levar a pessoa a apresentar reações adversas, até a morte. Entre as substâncias mais encontradas e com maior risco de gerar reações, temos cocaína, fenobarbital, diazepam, hidroxizina, loratadina”, ressalta o médico Carlos Gomes. 


Longo prazo


A ingestão de álcool durante um tratamento também pode desencadear um quadro de vômitos e desidratação, agravando ainda mais a doença. “Vale ressaltar que não é sensato que um paciente com um quadro infeccioso, muitas vezes com febre ou mal-estar, e utilizando antimicrobianos (antibióticos), consuma bebidas alcoólicas durante o tratamento como uma ferramenta para diversão ou lazer”, ressalta.


Gleicy Pereira afirma que a ingestão excessiva de álcool (como cerveja em uma grande quantidade) pode não apenas desencadear vômitos e desidratação como “propiciar 
um aumento da diurese e fazer com que haja maior excreção renal da droga, o que teoricamente pode levar à perda de sua eficácia. Dessa forma, o uso nessas situações é desaconselhado”.


Carlos Gomes aponta que o maior problema está no fígado, em qualquer caso de ingestão combinada. “Tanto o álcool quanto os antibióticos são metabolizados no fígado e o uso das duas substâncias ao mesmo tempo pode ‘sobrecarregá-lo’, o que tem como ocasionar tanto lesões nesse órgão (hepatites, cirrose, esteatose) quanto a falência dele”.


Segundo estudo publicado na revista científica Lancet, em 2018, não existe nível seguro para consumo de álcool. Valores superiores a 20g/dia para mulheres e 40g/dia para homens por um período superior a dez anos já são suficientes para oferecer riscos de doenças hepáticas crônicas.


Para tomar como exemplo, uma lata de cerveja de 350ml possui, em média, 14g de álcool, enquanto uma taça de vinho de 200ml, cerca de 19g. “Desse modo, mesmo pequenas quantidades, quando utilizadas durante um longo período e diariamente, 
podem acarretar prejuízos para a nossa saúde no futuro”, finaliza Gleicy Pereira. 


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