Bispo explica como viver a Semana Santa em tempos de pandemia

Dom Tarcísio Scaramussa, bispo da Diocese de Santos, fala de isolamento social, confissões, Comunhão e Crisma. Orientação ainda é para que os fiéis sigam assistindo missas online ou pela TV

Por: Stevens Standke  -  05/04/20  -  16:14
Bispo Dom Tarcísio Scaramussa orienta fieis em quarentena
Bispo Dom Tarcísio Scaramussa orienta fieis em quarentena   Foto: Nirley Sena / arquivo

Hoje, a Igreja Católica celebra o Domingo de Ramos, que marca o início da Semana Santa. Mesmo com o isolamento social e o fechamento das paróquias, devido à pandemia de coronavírus, os fiéis podem viver intensamente esse importante período religioso, como orienta, a seguir, o bispo da Diocese de Santos, dom Tarcísio Scaramussa. 


Na entrevista, ele explica como fica, por exemplo, o tradicional hábito dos católicos de se confessarem nessa época do ano e dá uma mensagem de esperança, apontando caminhos para lidar melhor com a solidão, o medo e a preocupação gerados pelo momento atual. 


ESPIRITUALIDADE


Como as pessoas podem vivenciar a Semana Santa em meio ao isolamento social?


Esta Semana Santa será atípica. As pessoas podem sentir certa dificuldade para vivenciar mais profundamente o período por não estarem juntas celebrando nas suas comunidades, mas há um motivo muito forte para isso, que é o compromisso da Igreja com a defesa da vida. 


Oriento cada um a viver o momento com a mesma fé de sempre, acompanhando as celebrações de casa pelas redes sociais das paróquias ou pelos canais católicos de TV, como Rede Vida. Todas as missas da Semana Santa que presidirei na Catedral serão transmitidas pelo Facebook @Catedraldiocesedesantos: hoje, Domingo de Ramos, às 9h; Quinta-Feira Santa, às 19h; Sexta-Feira da Paixão, às 15h; e Vigília Pascal, o Sábado Santo, às 19h.


O que mais o fiel pode fazer para melhor viver esse período?


Além de acompanhar a transmissão das missas e de comungar espiritualmente – que é um ato de desejo profundo de comunhão com o Senhor –, recomendo fazer um caminho de oração, com momentos próprios principalmente de leitura da palavra de Deus e de reza do terço com a família em casa. Tenho visto atitudes bem interessantes para manter as pessoas unidas às suas comunidades.


Alguns padres mantêm contato com os fiéis por WhatsApp, mandando não só mensagens como fornecendo textos e demais subsídios para reflexão e auxílio no caminho espiritual de cada um. E as novidades enviadas pelas famílias para eles, às vezes, são compartilhadas durante as transmissões das missas. Há alguns coroinhas que, ao acompanhar as celebrações em casa, usam a sua veste litúrgica para melhor vivenciar aquele momento, como se estivessem na igreja. 


Há mais alguma situação curiosa que gostaria de destacar?


As pessoas têm mandado fotos das suas famílias participando das missas em casa. Catequistas estão mantendo a orientação das crianças a distância, por meio do WhatsApp e das redes sociais. Eles indicam leituras da palavra de Deus e, depois, cada um deve partilhar com o grupo o que entendeu daquelas passagens. Não faltam iniciativas cheias de criatividade nas comunidades.


FAMÍLIA


Ou seja, as coisas não pararam totalmente.


Somente não há a presença física na igreja e nas celebrações, mas a caminhada na fé continua, de forma nova. Tem sido uma oportunidade para desenvolver, para aprofundar a dimensão da oração pessoal e a vivência da fé na família, que chamamos de Igreja Doméstica.


Se existe um lado, digamos, “bom” da pandemia, é que ela ajuda a fortalecer a figura da família, concorda?


Sim. Por mais que a Igreja sempre trabalhe e valorize muito a família, existem vários estímulos sociais externos que, às vezes, contribuem para uma certa dispersão da vida em família. O período de isolamento social deve ser encarado como uma chance para cada um resgatar o papel e a importância da família dentro da sua vida.


SOLIDÃO


Que mensagem podemos tirar das passagens bíblicas da Semana Santa para lidar melhor com o momento atual?


Jesus nos disse: “Coragem! Eu venci o mundo”. Para algumas pessoas, a Semana Santa parece que fica estacionada na Sexta-Feira da Paixão, na morte de Cristo, mas esse acontecimento está ligado à ressurreição, ao ressurgimento da vida. Isso deve alimentar a nossa esperança de que a pandemia vai passar e, em breve, estaremos todos juntos de novo. A nossa confiança em Deus é fonte de força. Depois que tudo acabar, devemos procurar viver melhor a nossa vida. Temos que procurar absorver os aprendizados que o momento atual está nos proporcionando.


O que diria para quem não consegue processar a solidão, a preocupação e a tensão que podem ser geradas pelo isolamento social?


As pessoas andam realmente muito estressadas e preocupadas, e esse período pode ser, de fato, deprimente. Nessa hora, sugiro buscar todos os recursos que a Ciência disponibiliza e ter em mente que a fé também é um grande recurso. Saber que Deus está conosco, presente na nossa vida, dá serenidade – algo importante demais nesse momento – e conforto para vencer as dificuldades.


Com relação ao nosso país, vemos, infelizmente, bastante ambiguidade por parte do governo, com posicionamentos que, às vezes, nos confundem. Devemos agir e tomar decisões com calma, nos guiando por orientações seguras, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outros órgãos e serviços de saúde confiáveis.


PENITÊNCIA


As pessoas costumam se confessar para a Semana Santa, só que muita gente não conseguiu fazer isso devido ao isolamento social. Qual sua orientação nesse sentido?


Nessa época, normalmente há os mutirões e as confissões comunitárias nas paróquias, o que acabou não acontecendo neste ano. Por causa disso, a Igreja abriu uma possibilidade: os fiéis devem fazer o exame de consciência, apresentar seus pecados para Deus e pedir perdão, espiritualmente, para ele. 


Isso é válido mesmo para quem possui alguma falta grave?


Essa pessoa vai receber a absolvição da mesma forma, mas terá o compromisso de assim que possível se confessar na igreja. E proponho que todos nós reflitamos sobre o seguinte aspecto: o momento que estamos vivendo já é uma penitência que o Senhor pede de nós.


ADAPTAÇÕES


Circula por grupos de WhatsApp mensagem dizendo que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pede para que as pessoas coloquem ramo na porta de casa neste domingo. Isso procede?


Sim. Essa é uma sugestão interessante que partiu da CNBB para ajudar a envolver o povo na celebração do Domingo de Ramos. Ainda mais que nas missas que serão transmitidas pela internet e pela TV não haverá a tradicional procissão e a bênção dos ramos. Também não acontecerá a coleta da solidariedade, que foi adiada para 17 de novembro, Dia Mundial dos Pobres.


O que mais será diferente nessa Semana Santa?


A missa que costumamos fazer na quinta pela manhã para bênção dos óleos santos da crisma, com presença de todos os padres, foi adiada a princípio para 5 de julho, dia em que festejamos o aniversário de dedicação da Catedral (quando o atual imóvel começou a ter finalidade religiosa). Mas vou aguardar o desdobramento da pandemia para definir se manterei essa data. A celebração da Quinta-Feira Santa à noite não terá lava-pés.


Na sexta, não haverá o beijo na cruz de Cristo, durante sua adoração, nem a coleta que costumamos enviar para os lugares santos – que foi adiada para 14 e 15 de setembro, quando se celebra a exaltação da santa cruz. Ainda na celebração de sexta, será incluída oração na prece universal pelos que padecem com o coronavírus. E no sábado, Vigília Pascal, serão omitidos todos os ritos realizados fora da igreja: a bênção do fogo, o acendimento do círio pascal e a procissão de entrada. A missa começará já dentro da igreja e também não serão feitos os ritos do batismo, apenas a renovação das promessas batismais.


Quais são os critérios para escolher as pessoas que atuam nas transmissões das missas pela internet?


Enviei circular para todos os padres da diocese orientando que é possível ter a presença de, no máximo, quatro pessoas junto com o sacerdote nas celebrações: um diácono, um leitor, um acólito e um cantor. E os membros dessa equipe precisam ter mais de 21 anos e menos de 60.


ROTINA


Como está administrando a diocese em meio à pandemia?


Mantenho minha rotina de trabalho dentro de casa, com muitas correspondências, contatos pelo WhatsApp, e-mails etc. O recente assalto à Igreja São João Batista, em Morrinhos, Guarujá, que resultou na profanação do santíssimo da paróquia, nos fez perceber que as igrejas, por estarem vazias e fechadas, podem se tornar alvos de vandalismo.


Imediatamente pedi para os padres da diocese retirarem as hóstias consagradas dos santíssimos. Além disso, como vários sacerdotes morreram principalmente na Espanha e na Itália, procuramos oferecer cuidados especiais aos padres e diáconos idosos ou com problemas de saúde. Saio de casa apenas para ir à Catedral e à Cúria Diocesana quando necessário. No fim de semana, fui ao Monte Serrat pedir para que Nossa Senhora interceda e proteja todo nosso povo da pandemia.


Várias paróquias estão pedindo, por meio de seus sites e redes sociais, para que os fiéis mantenham suas contribuições. Como andam essas campanhas?


É importante que quem puder continue pagando o dízimo ou fazendo sua contribuição, porque as paróquias têm despesas fixas, de manutenção. Espero que com essas transferências on-line consigamos manter, pelo menos, uma base de sustentação das paróquias. A diocese também está priorizando as doações de roupas, alimentos e material de higiene ao Vicariato Social para continuar prestando assistência às famílias afetadas pelas recentes chuvas.


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