Educação midiática: Nem mocinho nem bandido

Se o uso da tecnologia e da inteligência artificial é um caminho sem volta, a educação midiática continuada também

Por: Arminda Augusto  -  03/03/24  -  19:44
  Foto: Alexsander Ferraz/AT

Nos desenhos animados de antigamente, em que uma parte dos personagens pendia suas ações para prejudicar os outros e quase sempre saía perdendo, o enredo terminava com a máxima de que “essas pessoas do mal têm muitas virtudes, pena que só saibam usá-las para fazer o mal”.


Lembrei dessa frase porque muito se fala sobre os efeitos maléficos da inteligência artificial (IA), que manipula fotos e vídeos e cria narrativas que em nada correspondem à realidade. É verdade e, mais que isso, engana as pessoas de tal forma que mentiras acabam se tornando verdades tamanha é a velocidade com que se propagam. Esta semana, o próprio Tribunal Superior Eleitoral anunciou um pacote de medidas para punir os políticos que utilizarem a IA de forma a prejudicar os opositores na campanha para o pleito municipal. O TSE está certo.


Mas a IA não pode ser vista apenas como ‘bandida’: tem IA muito bem usada na Medicina, na investigação de casos de polícia, na arquitetura, na engenharia e até na arqueologia - quem viu aquela reportagem em que alunos da Universidade de São Paulo estão usando inteligência artificial para identificar papiros carbonizados do vulcão Vesúvio no ano 79 antes de Cristo?


A relevância da educação midiática entra justamente nessa bifurcação, em que de um lado está o bem e, de outro, o mal que a escalada da tecnologia e das mídias digitais pode causar em quem são souber identificar os sinais.


A boa notícia é que projetos interessantes e assertivos se espalham pelo Brasil, como o Imprensa Jovem, da Prefeitura de São Paulo, e o Memórias em Rede, do Instituto Devir, de Santos. Neles, jovens muito jovens mergulham no universo da produção de conteúdo e, ao fazerem isso, aprendem não só a captar informação, fotos e vídeos, mas também como funcionam os mecanismos de manipulação.


Os especialistas que estiveram no fórum de segunda-feira foram unânimes: aprender a questionar é o segredo, porque quando se questiona um dado, uma informação, um post ou um simples link de TikTok que recebemos nos grupos de WhatsApp um leque de inquietações se abre. Antes de acreditar e compartilhar, há um checklist a ser preenchido e é ele que vai nos dar a garantia de tratar-se de conteúdo seguro.


A educação midiática não é só para crianças e adolescentes, mas para todos os cidadãos, e mais ainda para os que nasceram em uma geração analógica, que ainda pena para manusear botões virtuais.


A outra boa notícia é que já há um leque de literatura, sites e materiais que nos ajudam a lidar com esse universo do bem e do mal. O Instituto Palavra Aberta, por exemplo, tem um arsenal de materiais úteis para professores, escolas, crianças e adultos. O Programa Imprensa Jovem, de São Paulo, também pode ser replicado em escolas de todo o País. Esse é o caminho. E se o uso da tecnologia e da IA é um caminho sem volta, a educação midiática continuada também.


Patrícia Blanco acha que desconfiança em fontes tradicionais e crença em conteúdos duvidosos tornam as pessoas alvos de mentiras
Patrícia Blanco acha que desconfiança em fontes tradicionais e crença em conteúdos duvidosos tornam as pessoas alvos de mentiras   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Crise de autoridade gera vítimas da desinformação

Quando abre seu WhatsApp e recebe uma notícia, você acredita, imediatamente, no que viu ou apura a informação? Como sabe se o áudio ou vídeo que lhe enviaram é fato ou fake? Em quem acreditar?


Os questionamentos acima servem para reflexão, pois resumem um problema atual. Segundo a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, que participou de A Região em Pauta na última segunda-feira, hoje, é comum a população confiar em conteúdos de fontes desconhecidas, duvidando, inclusive, de mídia tradicional e instituições. O resultado disso: há cada vez mais vítimas da desinformação.


“É a crise de autoridade, de olhar a autoria e autoridade em determinados assuntos. Quando se vai para a internet, com milhares de vozes, você tem de tudo. E eu brinco: o que faz uma pessoa acreditar no áudio que recebeu no grupo de WhatsApp da hidroginástica, que foi dito pela tia do primo da avó da Fulana de Tal que faz hidro comigo, que mandou no grupo? Aí, eu não acredito no que o poder público diz sobre a dengue, por exemplo. Essa crise e o fato de não acreditar nas instituições, mas naquele influenciador ou no áudio, fazem com que tenhamos problemas”, afirmou.


Ao longo de sua fala no evento, que ocorreu na última segunda-feira no auditório do Grupo Tribuna, e teve como tema Educação Midiática, ela reiterou que, neste momento, existe uma infinidade de indivíduos que dizem ser especialistas nos mais variados assuntos, o que dificulta filtrar o que é bom e o que pode ser danoso. De acordo com Patrícia, esta é uma grande mudança causada pela tecnologia.


“Antes, você tinha poucos porta-vozes ou instituições que falavam. Estavam ali cientistas, professores renomados e autoridades, que traziam a informação de interesse público”, disse, reforçando que, agora, é comum ver gente comentando temas sem qualquer embasamento. “Na desinformação, a opinião é baseada não em evidência, mas em achismo”.


Soluções

Combater estes elementos foi o foco durante o primeiro fórum deste ano. Muitos caminhos foram apontados, a fim de minimizar ou evitar os riscos, que passam por deepfakes (manipulações) e uso criminoso da inteligência artificial.


O jornalista, educador e escritor Alexandre Le Voci Sayad, que já ocupou o cargo de consultor da Unesco e é mestre em Inteligência Artificial e Ética, citou dois elementos que podem ajudar a melhorar o quadro atual. “Proteger inclui a educação midiática na escola e uma legislação, ou algumas legislações, que, conjuntamente, assegurem a integridade da informação”.


Patrícia pensa como Alexandre e faz um acréscimo. A presidente do Palavra Aberta ressaltou que, embora o problema resida na internet e nas redes sociais, onde há predominância de jovens, pessoas de todas as faixas etárias precisam ser alfabetizadas para uma vida sem riscos no mundo digital. “Esta é uma necessidade de todos nós: nos educarmos ao longo da vida. A educação midiática traz esta necessidade de forma mais urgente”, disse.


O que é Educação Midiática?

Conforme o site Educamídia, trata-se de um “conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiáticoem todos os seus formatos — dos impressos aos digitais”.


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