Mundo da Bola: O naufrágio botafoguense

O vivido pelo Botafogo é de uma complexidade Shakesperiana

Por: Vladir Lemos  -  07/12/23  -  06:28
  Foto: Vítor Silva/Botafogo

O vivido pelo Botafogo é de uma complexidade Shakesperiana, como disse certa vez o genial Nelson Rodrigues a respeito da mais simples pelada. Gostei muito de ver dia desses o historiador Luiz Antônio Simas fazer uma muito pertinente observação a respeito da frase que, de tão precisa, ficou famosa quando se trata do time da estrela solitária. Tenho certeza de que o nobre leitor já a deve ter ouvido. É aquela que diz: “Há coisas que só acontecem ao Botafogo”. Uma tentativa de explicar o inexplicável.


E como a história recente do Botafogo tem sido mais de percalços do que de glórias, passou-se a ter a impressão de que ela foi cunhada para momentos tristes. Não é o caso. A frase original, do também genial Paulo Mendes Campos, aliás, tinha também cunho pessoal como cabe bem às crônicas. Dizia: “Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim”. Ou seja, como bem lembrou Simas, trata-se de uma ode ao triunfo, não ao fracasso.


A crônica intitulada “O Botafogo e eu” foi publicada três dias depois de o Botafogo conquistar o Campeonato Carioca de 1957 vencendo o Fluminense por 6 a 2 diante das quase 100 mil pessoas que estavam no Maracanã. Cinco gols de Paulo Valentim, que terminou o torneio como artilheiro, um de Garrincha. Isso diante de um Flu que tinha Castilho no gol, Telê, Escurinho. Na mesma crônica, Mendes Campos diz que o Botafogo não se dá bem com os limites do sistema tático e diz que o time teria de ser como ele, dramaticamente inventado na hora.


Vai saber o que seria capaz de livrar o Botafogo dessa sina de ser, digamos, tão original. E a essa altura uma vitória sobre o Internacional só torna, ou tornaria, a coisa ainda mais intrigante.


O que temos acompanhando praticamente esgotou o arsenal do batalhão de comentaristas que, dia após dia, encara as trincheiras da crônica esportiva no afã de tentar traduzir o jogo de bola de alguma forma. Se não pelo viés da realidade, pelo imaginativo. Mas nem assim sobrou munição. Tanto que outro dia vi um ex-boleiro, agora comentarista, pedir licença para dizer que, quando jogava e o time começava a viver coisa parecida, o jeito era reunir o elenco e perguntar se alguém ali estava em dívida com coisas que pudessem ser ditas do além. E pediam pra que se um deles se considerasse nesta condição – mesmo sem ter de confessar isso ou falar a respeito – que desse um jeito de cuidar da questão.


Nesse sentido, é interessante notar que na mesma crônica encontramos uma frase que diz o seguinte: O Botafogo põe a gravata e vai à macumba cuidar de seu destino. E na sequência, pra não deixar que tudo perca seu ar testemunhal, Mendes Campos tece esta maravilha: eu meto o calção de banho e vou à praia discutir com Deus. Lindo, não?


Vejam, o futebol é tão dado a essas coisas que ainda no ano passado a diretoria de patrimônio do Vasco precisou vir a publico esclarecer que não passava de boato a notícia de que teria sido descoberto um sapo enterrado em São Januário durante a instalação do busto em homenagem a Roberto Dinamite. Uma história que remete aos anos 1930.


Esse Botafogo talvez espelhe só o bom e velho futebol nos mostrando que ele é que é de outro mundo. Ou talvez, como também escreveu Mendes Campos, o Botafogo seja um menino perdido na poética dramaticidade do futebol.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter