Mundo da Bola: O futebol é ilusão

No cerne de tudo estava o divertimento, e só

Por: Vladir Lemos  -  15/02/24  -  06:23
  Foto: Unsplash

Uma das coisas que mais me intrigam é porque, mesmo tendo praticado tantos esportes quando garoto, nunca pensei em fazer dele profissão. No cerne de tudo estava o divertimento, e só. Era assim quando acordava de madrugada para ir com um amigo de classe às aulas de remo. Foi assim quando a molecada descobriu o surfe e cedo ia em bando para a praia. Era assim nos tempos da natação. E tudo isso, claro, me veio depois de ter descoberto o prazer de jogar bola.


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Essa questão voltou à minha cabeça insistentemente quando comecei a trabalhar como repórter. Ia cobrir um treino e ficava, muitas vezes, curtindo uma inveja boa de quem estava ali trabalhando e ao mesmo tempo cuidando do corpo – e por tabela da cabeça. O vôlei foi dos esportes mais longevos na minha vida. Vieram os campeonatos, a possibilidade de disputar uma edição dos Jogos Abertos. Mas era como se tudo se encerrasse ali.


Pensando bem, pode haver uma explicação muito simples pra tudo isso: a ausência de um talento desses que costumam mudar o destino das pessoas. Já contei aqui que a única vez que flertei com essa possibilidade foi depois de meu pai ter visto meus cotovelos inchados de tanto fazer defesas nas peladas que travávamos no chão duro da garagem do prédio em que morávamos. Deu-me uma bronca e em seguida me perguntou por que não ia jogar bola na praia. E avisou que, se era assim, iríamos arrumar um time – e consequentemente um campo – pra eu treinar. Foi uma das mais breves possibilidades da minha vida.


No sábado, quando chegamos ao treino, enquanto meu pai conversava com o treinador e explicava a situação, vi o garoto que jogava no gol fazer três defesas incríveis. E todo o devaneio a respeito de um caminho repleto de glórias como arqueiro evaporou.


Tudo isso me voltou à cabeça dias atrás, adivinhem por quê: dei de cara com uma manchete, oras. Sim, estou obcecado por elas. A dita versava sobre a trajetória do atacante Yuri Mamute que, menino, foi alçado à essa condição tão perigosa de craque prestes a ser revelado para o mundo. Tinha 16 anos quando viu cair sobre ele esse fardo de ser uma grande promessa do nosso futebol. Com toda a tentação que realidades assim certamente escondem. E a vida seguiu com todos os requintes precoces que costumam pôr à prova uma maturidade que inexiste.


Yuri foi convocado para umas das nossas seleções de base. Foi campeão, laureado como o melhor jogador de um dos torneios mais prestigiosos do mundo na categoria. Coisas que deveriam bastar para tirar alguém do lugar comum. Mas apesar de tudo isso, ele diz com todas as letras que se desiludiu. Hoje cita as oportunidades que não teve, que o futebol ainda assim não lhe deu. No meio do caminho deu de cara com algo infinitamente mais presente no futebol do que o sucesso: a contusão. Foi parar no futebol grego, no Japão. Voltou ao Brasil. Hoje está no Joinville. Onde tem vivido a alegria de fazer gols. Essa coisa tão desejada e que em se tratando do jogo de bola sempre foi o melhor dos combustíveis.


Consagrado, ou não, ter o esporte em nossas vidas, quero crer, já é um tipo de vitória. E que os que sonham com ele e não ficariam satisfeitos com algo menor do que a glória levem em conta o que ele tem de sublime, mas que levem em conta também o que ele tem de dor. E aí já não importa que seja verdade, ou não, a frase dita por Mamute que me fez de novo aqui escravo de uma manchete. A frase era: O futebol é ilusão. Mas qual de nós viveria sem ela?


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