Mundo da Bola: Duas cenas do nosso futebol

Antes de chegarmos ao requinte desta nossa era do chamado futebol nutella, muita água passou por debaixo da ponte

Por: Vladir Lemos  -  07/03/24  -  06:26
  Foto: Pixabay

Antes de chegarmos ao requinte desta nossa era do chamado futebol nutella, muita água passou por debaixo da ponte. Muito gente suou, arriscou as canelas e ficou pelo caminho literalmente para que alguns poucos hoje, com a bola nos pés, pudessem desfrutar do status de celebridade. Que, como temos visto, tem feito muitas vítimas.


Mas o futebol resiste, e duas páginas escritas na semana passada me fizeram crer que o futebol raiz ainda tem viço. Seja lá o que futebol raiz queira dizer. As duas foram, de certa forma, um drible na obviedade de que o jogo de bola só pode nos fazer feliz quando nos oferta a pseudo-anfetamina da vitória.


Uma dessas páginas foi escrita no estádio Ulrico Mursa de tanta tradição, com a Portuguesa Santista voltando a fazer um jogo de torneio nacional depois de 20 anos. Espaço de tempo que sempre foi visto como suficiente pra que alguém tome juízo. Mas essa é outra questão. E a outra página se deu no estádio da Rua Bariri, no Rio de Janeiro, campo do Olaria. Diga-se de passagem, dois estádios que honram a tradição permitindo que o jogo de bola se desenrole em cenário que vai se fazendo cada vez mais raro: um gramado natural.


Talvez seja exagero dizer que tanto a Briosa quanto o Olaria foram vitimados pelo regulamento estapafúrdio do torneio. Mas se reclamassem que tiveram de jogar sob a sombra da injustiça, não lhes tiraria a razão. Pra quem não sabe, a primeira fase da Copa do Brasil reza que o time melhor posicionado no ranking tenha o direito do empate. Posso imaginar que algum iluminado tenha levado em conta que conceder o direito a uma disputa por pênaltis aos teoricamente mais fracos – e já donos do mando – poderia favorecer o antijogo por parte dos anfitriões. Seja como for, a meu ver, essa desigualdade aniquila a equidade.


No caso do jogo do Olaria com o São Bernardo, se viu o placar apontando 0 a 0 até os 47 do segundo tempo. Não é de se estranhar que, precisando vencer, o time da casa tenha se exposto mais no fim e levado o gol. Afinal, era a única saída.


Em Ulrico Mursa o enredo do jogo foi outro. O Caxias fez 1 a 0 pouco antes do final do primeiro tempo. E diante disso, normal que o segundo tempo tenha se desenrolado com muitas faltas, com os visitantes apostando em se defender mais do que atacar. E fazendo uso da enrolação que no futebol costuma se chamar de cera.


A Briosa e o Olaria acabaram eliminados. Ficou a sombra desse regulamento maluco, provocado certamente pela falta de datas do nosso calendário futebolístico. Mas em Olaria nada foi motivo para colocar a torcida pra baixo. Mesmo sabendo do favoritismo do adversário, o dia de debutante do clube na Copa do Brasil agitou as ruas do bairro. Fez brilhar a história de um clube que tem 108 anos. E quando o juiz apitou o fim da partida não se viu desânimo. Foram ouvidos aplausos.


Não vi como se deu o final do jogo em Ulrico Mursa, mas posso imaginar que, de certa forma, estavam as duas torcidas irmanadas na sensação de que o futuro pode lhes reservar boas alegrias. Momentos que só foram possíveis por causa das Copas que mantêm os times ativos durante o segundo semestre. No caso do Olaria a Copa Rio. E no da Portuguesa Santista a Copa Paulista, vencida pelo clube pela primeira vez no ano passado. E que vão mostrando que nem só de nutella vive o nosso futebol.


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