Mundo da Bola: A mais pura tradução do jogo

Vivo há várias décadas cercado de gente que dedicou a vida a esmiuçar o jogo de bola

Por: Vladir Lemos  -  21/03/24  -  06:27
  Foto: Raul Baretta/Divulgação Santos FC

Vou dizer uma coisa pra vocês. Vivo há várias décadas cercado de gente que dedicou a vida a esmiuçar o jogo de bola. Com talento reconhecido para tal. O que faz com que eu me sinta um afortunado. E, claro, gosto também de desfiar minhas teorias a respeito, ainda que tenha pra mim que no ofício de apresentador que exerço deva me dedicar mais ao questionamento, a informar, a conduzir conversas situando fatos, colocando-os em seu mais preciso contexto.


Mas tenho um apreço imenso pela maneira como o futebol é tratado quando afastado de ambientes ditos profissionais. Nos botequins, nas filas de supermercado. Ai daquele que por ventura se afastar dessa fonte. Eu não conseguiria.


Uma imagem que me vem quando penso isso é aquela marra que o Ronaldinho Gaúcho ficou famoso por usar, sabe? Falo aquela de olhar para um lado e mandar a bola para o outro. Movimento simples, mas eficaz como poucos. E cuja maior virtude talvez esteja no fato de desconcertar o marcador. Enfim, buscar a tradução de uma imagem, de um lance, olhando para onde ninguém estava olhando, driblando o olhar comum.


O que quero dizer a vocês é que procurar a interpretação do jogo no meio campo do cotidiano é das coisas mais valiosas e mais prazerosas, na minha modesta opinião. A alma das boas crônicas que, por este motivo, creio, seduzem tanto. Um jeito legítimo de vestir os olhares de sinceridade e, muitas vezes, de um viés deliciosamente cru e cruel, o que muitas vezes nem mesmo o mais refinado especialista consegue. Sem contar que muitas coisas interessantes ficam pelo caminho.


Vejam o caso do Nova Iguaçu, que vinha fazendo boas campanhas nas duas temporadas recentes e agora, depois de eliminar o Vasco, irá decidir o título do Campeonato Carioca com o poderoso Flamengo. Li, quase sem acreditar, que seu treinador, Carlos Vitor, está no clube há 32 anos. Lá chegou depois que o atual vice-presidente, na época diretor de futebol, o viu jogando uma pelada nos idos de 1992. Cal, como é chamado, foi jogador por seis temporadas. Virou treinador. Passou por todas as categorias de base do clube. A começar pelo sub-12. Mais tarde foi incorporado à comissão técnica permanente. E aí está, colhendo os frutos dessa trajetória. Fez com que eu me lembrasse do britânico Alex Ferguson, que comandou o Manchester United, da Inglaterra, por longos 27 anos. Mesmo com essa história singular, pouca coisa li na mídia sobre Carlos Vitor, chamado carinhosamente por seus comandados de CalDiniz, ou CalDiola, em alusão a treinadores mais famosos e laureados.


E é assim, porque o olhar do jornalista também é treinado, como são os times. Somos todos preparados para executar o que se fez nossa tática. Por isso, adoro ouvir o que se diz por aí, digamos, despretensiosamente. Algo na linha do que ouvi outro dia um senhor na feira contar em tom de segredo para o corintiano boa praça, vendedor de limão. Disse ele, baixinho, que, já garotão, tinha trocado de time. Veja só que confissão. Tinha deixado de ser são-paulino para virar santista. E o corintiano, naquele tom cru e cruel dos papos informais, abriu um sorriso imenso e sentenciou: Olha aí, se livrou de uma eliminação no último domingo, mas não do sofrimento. Tá parecendo eu.


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