Revolução dos Cravos: cinquentenário

José Augusto do Rosario. Técnico Superior do Escritório Consular de Portugal em Santos

Por: José Augusto do Rosario  -  25/04/24  -  06:56
Escritório Consular de Portugal, em Santos, fica localizado na Avenida Ana Costa, nº 25, na Vila Mathias
Escritório Consular de Portugal, em Santos, fica localizado na Avenida Ana Costa, nº 25, na Vila Mathias   Foto: Divulgação/Consulado Geral de Portugal

Em abril de 1974, eu era um menino de 14 anos contratado como contínuo no Consulado de Portugal em Santos. Nessa condição, acompanhei de perto uma importante mudança na história de Portugal, onde o momento político efervescia. Havia uma insatisfação, antes velada, depois explícita, com o regime salazarista, que já durava mais de quatro décadas e havia empurrado ao estrangeiro muitos dos seus filhos. Na maioria, cidadãos humildes que não conseguiam o suficiente para desenvolver a família, normalmente numerosa. Quase todos ligados ao trabalho da terra ou cuidado dos animais do sítio.


Esse fenômeno não afetou só as gentes das aldeias, mas também os habitantes das vilas e até mesmo da metrópole. Acometidos por dificuldades financeiras ou políticas, saíram de Portugal nesse período. Depois, o receio da convocação a o serviço militar obrigatório. Os rapazes tinham que sair de Portugal antes dos 16 anos para não ir servir nas colônias. Após essa idade, fugiam pelas fronteiras ou embarcavam clandestinamente no primeiro navio com vigilância desatenta. Qualquer porto estrangeiro era melhor que um destino incerto em Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau.


Milhares de jovens deixaram Portugal rumo ao Brasil, um destino natural. Quase todos tinham um familiar ou amigo que lhes pudessem enviar uma carta de chamada, instrumento largamente usado e indispensável para a imigração. Nesse momento, outro instrumento que se tornou muito popular para permitir a imigração de portuguesas ao Brasil foi o casamento por procuração. À antiga namorada que ficou lá na aldeia, só lhe era permitido vir na condição de casada, portanto o noivo aqui enviava uma procuração a um parente ou amigo que o representava na cerimônia civil. E assim muitas outras senhoras imigraram e vieram ter com seus noivos no Brasil.


Em 1974, eram poucos da nossa comunidade que percebiam o momento político em Portugal. Não me parecia ser uma comunidade politizada. Até porque os efeitos do regime político em Portugal já não os afetavam no Brasil. A comunicação não era imediata e uma carta levava meses para chegar. Os jornais, que recebíamos pela mala diplomática, chegavam quando as notícias já não eram novidade. Mas naquele 25 de abril de 1974, após uma chamada telefônica urgente, atendida naquele telefone preto preso à parede da chancelaria do Consulado, imediatamente fora transferido à secretária do cônsul. Percebi claramente que trouxe alguma novidade importante.


Em seguida, as portas do Consulado foram fechadas. Nos dias que se sucederam, não houve expediente. Telegramas chegavam a todo momento com instruções vindas de Portugal. Havia caído o governo, tropas estavam nas ruas, não se ouvia relato de disparos, não houve conflitos, só cravos vermelhos, só cravos... Por meses, chegaram pela mala diplomática jornais e muitos cartazes relacionados ao ocorrido. Entre eles, o mais emblemático: a criança depositando um cravo na boca de um fuzil, cujo cartaz ficou exposto na chancelaria do Consulado por anos.


A Revolução hoje comemora 50 anos. Quis o destino que novamente eu estivesse no mesmo Consulado de Portugal, agora Escritório Consular, a comemorar com a minha comunidade esse jubileu. Agora não mais com o olhar do pré-adolescente, mas sim com o olhar maduro e consciente de que aquele momento histórico do 25 de abril de 1974 fez de Portugal um país melhor.


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