Academias: inclusão e visibilidade

Flávio Viegas Amoreira. Escritor e membro da Academia Santista de Letras

Por: Flávio Viegas Amoreira  -  22/04/24  -  06:27
  Foto: Pixabay

“As academias de letras foram criadas a partir de modelos europeizantes com méritos louváveis de perpetuar o cânone de determinadas civilizações num outro contexto histórico em que prevaleciam preconceitos arraigados, hoje felizmente reconhecidos intoleráveis”.


A Academia Brasileira de Letras fundada em 1896 teve como testemunha das primeiras reuniões uma de nossas maiores contistas: Julia Lopes de Almeida. A bela senhora autora também de romances reveladores das hipocrisias reinantes chegou a assinar ata de fundação da Casa de Machado de Assis, mas na consolidação do projeto, foi preterida pelo marido, um escritor menor.


Julia hoje redescoberta era mulher. Ao lado de Machado de Assis, reconheço em Lima Barreto maior expoente de nossa prosa até o advento de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. O que melhor revela o caráter brasileiro que Triste Fim de Policarpo Quaresma? Qual livro melhor disseca as entranhas do jornalismo e dos jogos de interesses de nossas sociedade que Recordações do Escrivão Isaias Caminha?


Todo curso de Jornalismo deveria ter como obras de referência dois livros: Ilusões Perdidas, de Balzac, e nosso Isaias. Lima Barreto tentou duas vezes a ABL e nem passou perto. Negro, alcoólatra, mal visto para os padrões oficiais, nunca se rendeu mas venceu pela grandiosidade da obra. Postumamente.


As academias revelam o espírito do tempo e para sobreviver precisam mudar. Sempre soube-me escritor, não me perguntem se acredito em dom, creio mesmo em trabalho para estar à altura da vocação. Vocação: chamado, pedido do mais íntimo do ser. Nunca dei as costas ao apelo irresistível do espírito.


No Brasil, ser escritor é de um heroísmo quase insano. Mas nunca se lamente, caro leitor, se tens em ti o mesmo chamado. A vida é seguir em frente. Jovenzinho aprendi muito de poesia, crônica, de tradução, com Mário Quintana.


Quintana pouco saía da sua Porto Alegre, solteirão inveterado, morador de hotéis, tentou três vezes a ABL. Perdeu as três. Hoje é com certeza um dos poetas mais lidos pelas novas gerações. Queres que um jovem tome gosto pela poesia? Apresenta-lhe Mário Quintana. Durante 500 anos viramos as costas aos saberes dos povos originários, hoje temos o filósofo Krenak na ABL. Durante 500 anos ou escravizamos afrodescendentes ou lhes batemos as portas dos salões.


Hoje, a Academia Paulista de Letras tem como imortal uma das mais influentes pensadoras do planeta: a santista Djamila Ribeiro. Nenhuma concessão politicamente correta. Ou somamos as tradições de saber consolidadas aos saberes ancestrais nunca reconhecidos ou fenecemos sem conhecer as outras metades de conhecimentos que nos faltam ‘a salvar o mundo’.


Os modernistas eram avessos às Academias, até hoje alguns estranham a presença dos irreverentes, dos ‘outsiders’ nelas. Mas Bob Dylan ganhou o Nobel, Gilberto Gil está na ABL. As academias importam muito! As academias podem muito! Só reconhecer o chamado dos ventos, render-se à realidade de que a Arte, especialmente a Literatura, são alternativas de redenção a um mundo brutalizado inclusive pela tecnologia. Não se tratam de clubes de erudição, mas da chance de fazer valer o que nos redime da máquina: a criatividade. Ou delegaremos a sacrossanta imaginação aos algoritmos? Agradeço muito minha aceitação na Academia Santista de Letras.


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