A comoditização do trabalhador

Marcus Vinícius de Freitas. Professor visitante, China Foreign Affairs University

Por: Marcus Vinícius de Freitas  -  30/04/24  -  06:39
  Foto: John M Lund Photography Inc/Getty Images

O mundo está numa transformação excepcional, com uma alteração profunda de parâmetros históricos, geopolíticos, valores e, principalmente, nas relações humanas.


Com a criação da imprensa, por Johann Gutenberg, em 1436, o mundo transformou-se completamente, pois a imprensa tornou a difusão do conhecimento mais ampla. A Bíblia - objeto de manipulação religiosa por séculos e impressa pela primeira vez em 1450 - ficou amplamente disponível, derrubando o monopólio do clero sobre o conhecimento. Com isso, consolidou-se o Renascimento, o teocentrismo equivocado diminuiu e veio a Reforma, com a multiplicidade de perspectivas religiosas sobre a existência humana. O mundo passou a ser mais relativo e menos absoluto, mais transparente e menos obscuro.


Com o advento da internet nas últimas décadas e a difusão mais ampliada do conhecimento, a humanidade enfrenta um novo Renascimento. Mais uma vez mais tudo está relativo. Jamais houve na história tanta informação disponível. Ideias que eram absolutas se tornaram relativas. E a manipulação intelectual, a princípio, torna-se cada vez mais difícil.


Claro que as redes sociais, aplicativos de relacionamento, as chamadas fake news, as teorias conspiratórias e muitos dos “influencers” e “coaches” também representam uma idiotização da humanidade. Não é a primeira vez que isso acontece. Ao compararmos ao fenômeno religioso pós-Reforma também observamos o surgimento de vários grupos religiosos com as perspectivas mais estapafúrdias da espiritualidade.


É, no entanto, do campo das relações humanas que a preocupação aumenta substancialmente. No Renascimento, as relações humanas e a humanidade foram valorizados. Já na sociedade atual observamos um processo de descartabilidade do ser humano sem precedentes. Os relacionamentos são superficiais, de baixa intensidade e de enorme comoditização. A impressão é que a humanidade se odeia cada vez mais.


Em nenhum lugar se observa isso mais intensamente do que no mercado de trabalho, onde as legislações trabalhistas têm flexibilizado a relação empregador-empregado de tal forma que, em geral, inexiste nas duas partes o interesse no aprofundamento de longo prazo no relacionamento. Sob a ameaça constante da demissão sem direitos básicos, o empregado se sente desmotivado a oferecer o seu melhor. E isto alimenta a ameaça constante do empregador, num ciclo vicioso que leva à mediocridade dos resultados e à baixa produtividade.


As grandes corporações do passado foram construídas por relações sólidas e de longo prazo entre empregador e empregado. Com isso, a produtividade cresceu substancialmente. É tempo de reavaliar a comoditização do trabalhador para projetarmos o futuro. A culpa da queda de produtividade no Brasil não é somente resultado do desafio educacional que o País enfrenta há séculos, mas da falta de compromisso entre os colaboradores e os empregados para uma relação de longo prazo. O ser humano não é nem deve ser considerado descartável. Afinal, é ele que é responsável pelo processo de avanço do planeta.


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