A absolutista e a nova Constituição

Zoel Garcia Siqueira. Professor, formado em Sociologia e presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Guarujá

Por: Zoel Garcia Siqueira  -  24/04/24  -  06:30
  Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

A Câmara dos Deputados e o Banco Central lançaram, em 11 de abril, uma moeda comemorativa dos 200 anos da primeira Constituição do Brasil, de 1824. Em prata, sua tiragem inicial foi de 3 mil unidades. O lançamento faz parte das ações que vêm sendo desenvolvidas desde 2017 pelos 200 anos da Câmara Federal, que se completarão em 2026. A moeda, com valor de face de R$ 5,00, foi vendida a colecionadores por R$ 420,00 - e se esgotou em questão de horas.


Vejo com estranheza a comemoração, pois a Constituição de 1824, conhecida como “outorgada”, não foi debatida por nenhum representante eleito pelo povo. Conforme mostra em Brasil: Uma Biografia, a historiadora e escritora Lilian Moritz Schwarcz, eleita recentemente para a Academia Brasileira de Letras (ABL), a carta sequer foi discutida no Congresso Nacional. Ela foi imposta pelo imperador dom Pedro I e elaborada por algumas poucas cabeças próximas ao mandatário, em substituição à chamada Constituição “da mandioca”, de 1823.


Essa, que na verdade viria a ser a primeira Carta Magna, recebeu o apelido porque os eleitos e os eleitores da Assembleia Nacional Constituinte, desfeita pelo imperador, seriam plantadores de mandioca. A Constituição de 1823 estava, essa sim, em discussão por representantes eleitos. O problema é que elaboravam um documento em que o autoritário dom Pedro não confiava.


O rei de Portugal e imperador queria aqui um governo absolutista e alguns constituintes pretendiam diminuir seu poder. E isso o levou a destituir a assembleia soberana. O maior exemplo de absolutismo da carta hoje homenageada com a moeda de prata foi a criação do quarto poder, o chamado poder moderador, a ser exercido pelo imperador. Diferente do proposto pelo filósofo iluminista francês Montesquieu e sua teoria dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, dom Pedro acrescentou o quarto e atribuiu-se o papel de moderador.


A nossa história, como a de qualquer país, deveria ser tratada com mais carinho. Se assim fosse, as autoridades teriam mais cuidado nas homenagens e não a contariam pela metade. O Congresso comemora uma constituição que não foi elaborada por seus membros. Diferente da atual, a de 1988, que, ela sim, deveria ter moeda comemorativa por seus 30 anos, em 2028. Se até lá existir.


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