A minha Brasília capital

Vera Leon. Jornalista

Por: Vera Leon  -  22/04/24  -  06:26
Atualizado em 22/04/24 - 06:28
  Foto: Joédson Alves/Ag~encia Brasil

Assim como Clarice Lispector, cheguei a pensar que “quero esquecer de Brasília, mas ela não deixa”. Quero convencer-me que o tempo por lá já não é, que se perdeu por entre as árvores tortas do cerrado, escondeu-se por trás de Dom Bosco, abrigado na Ermida no final do Lago Sul, e que ele só me assombra vez por outra, quando estrelas não piscam por aqui. Tempo, tempo, tempo.


Porque não mereço censura ou castigo, confesso que, no fundo, diferente de Clarice, não quero esquecer Brasília, não faço esforço para deixar nublado seu céu de arco-íris. Entendo que é ele, sim, o traço do Arquiteto. Do Grande Arquiteto. É o tipo de saudade que gosto de ter, ao contrário de outras, que mesmo velhas e enxotadas não arredam pé de mim.


Basta ver uma foto para tudo reacender. Ou para tudo verdejar, tal qual o tapetinho vivo que cobre aquela terra quando a primeira chuva afugenta a seca do cerrado. Tudo o que é marrom e árido se transforma, vira cama macia de penugem verde. Foi lá, principalmente, que aprendi o sentido explícito de renascer.


Por lá deixei amigos e um deles, o Stanislau, se põe a provocar minha saudade. Um dia é foto de flor. De flores, cada uma mais espetaculosa que a outra. Ele as tem aos montes no quintal, onde os passarinhos nem se acanham do assanhamento. O céu é outra fonte de inspiração para o Stan, e o céu que anuncia a chuva dá-me sempre a impressão de que, se eu esperar quietinha, aqui no bafo santista, o aguaceiro vai inundar a distância. Vai chover chuva, como só acontece lá, com cheiro e tudo.


Os amigos – ainda por lá a Verinha, a Roseana, a Mônica, a Nazareth, o irmão Raimundo, a Carol, a Isabella, o Iradj – têm poder, são uma âncora fincada no chão do cerrado. Por esse meu povo, também, não quero esquecer Brasília. Com eles, sei do que se trata quando alguém fala em pertencimento: eles me incluem todo o tempo nesses quase 20 anos que lá deixei minhas pegadas.


Andei com cautela porque não foi amor à primeira vista. Até porque já tinha sido avisada que Brasília é como uma mulher que precisa ser descoberta aos poucos. Não é do tipo que, quando mostra as pernas, a gente já adivinha o resto. Tem sempre algo não visto por entre as superquadras, se esgueirando do outro lado dos pilotis, nas curvas que mais confundem do que explicam. Eu e ela fomos nos conhecendo. Eu, bem curiosa para entender os sussurros das folhas agitadas pelo vento e a gritaria das cigarras no auge da seca. Ela, como colo de mãe, deixando que eu chorasse de saudade do mar.


Tem gente que só sabe falar mal de Brasília. Como se ela pudesse ser traduzida pelos que ocupam a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes e os anexos transbordantes de assessores ou como quer que se denominem. Nesses 64 anos de incríveis acontecimentos a escrever a história da capital federal, muitos passaram e outros tantos passarão por aqueles prédios. Terão seus nomes perpetuados e exaltados os feitos que mudaram rumos, para o bem e para o mal. E quando passarem, Brasília ainda será a luz que ofusca, à espera de quem a desvende, a desafiar quem não a esquece.


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