Porto + Cidade

A Prefeitura de Santos tem uma arrecadação bilionária, grande parte gerada pela atividade portuária

Por: Thiago Miller  -  16/04/24  -  06:23
  Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Entro no Uber com destino ao Tribuna Square, no Centro de Santos: “Por favor, vamos pela Perimetral”. A conversa começa pelo trânsito da Cidade (volume de carros e semáforos, infindáveis obras), passa pela decadência do Centro, e chega ao Porto de Santos.


O motorista mostra cidadania e transmite um incômodo com o Município: trânsito, violência e custo de vida. O desenvolvimento urbano e o crescimento econômico experimentado, impulsionados pela pujança do Porto, parece desagradar nosso interlocutor, que debita toda essa conta nas externalidades negativas da atividade portuária. Foi o gancho para um contraponto sobre o porto e a sua intrínseca relação com a Cidade.


Sem menosprezar o sentimento, íntimo e legítimo, do cidadão que vive e enfrenta diariamente as agruras da polis, resgato que a Perimetral é um legado do Porto para a Cidade. Ninguém paga por transitar em uma avenida construída com recurso do maior acionista do Porto (União) para segregar o trânsito dos veículos pesados. Se transformou em uma avenida “da Cidade” – conseguimos imaginar o que seria do trânsito de Santos se não existisse a Perimetral?


Não é essa, no entanto, a maior contribuição do Porto para a Cidade. O volume de impostos e empregos gerados para a região da Baixada Santista é extraordinário. A Prefeitura de Santos tem uma arrecadação bilionária, grande parte gerada pela atividade portuária. É uma das mais ricas administrações do rico Estado de São Paulo. Por que, então, essa riqueza não chega ao cidadão comum, ou melhor, não se mostra? Onde ela tem se escondido? Acredito que parte seja falta de transparência e comunicação, além de escolhas (decisões políticas) de nossa autoridade municipal. Me permito nesse nobre espaço refletir e compartilhar.


O Estatuto da Cidades (Lei 10.257/2001) traçou diretrizes para um planejamento urbano: “garantia do direito a cidades sustentáveis”, “cooperação entre os governos” e “a iniciativa privada”, “planejamento”, “distribuição espacial e atividades econômicas do Município”, “a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano” (art. 2º).


Dentre as ferramentas oferecidas à Municipalidade, pelo Estatuto, destaco o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) que é exigido (condição) para a obtenção da licença de funcionamento, e deve apresentar os efeitos positivos e negativos dos empreendimentos. Identificados esses efeitos, medidas mitigadoras ou compensatórias deverão ser executadas.


A escolha das medidas é dirigida pela Municipalidade e endossada pela Comissão Municipal de Análise de Impacto de Vizinhançapor (Comaiv). Aos empreendimentos, fica a obrigação de pagamento, tão somente.


Essas escolhas têm se restringido a medidas compensatórias, divorciadas da atividade portuária e seus efeitos. O que sugere um desvio de finalidade ou má utilização do instrumento. Não se discute a importância de revitalizar equipamentos urbanos (rodoviária, praças, colégios, UPAs), mas para esses há a polpuda arrecadação municipal de tributos. Com esse desvio, as externalidades negativas permanecem como identificadas nos estudos, sem endereçamento e solução.


O tema já está no radar do Ministério Público, que recebe os reclamos da sociedade e, por vezes, se volta contra os terminais e as externalidades da atividade. Outro ponto é que ao utilizar os empreendimentos para a construção de obras públicas, o Município dribla a necessidade de procedimento licitatório.


A relação Porto-Cidade avançou muito desde os muros amarelos que dividiam a Cidade e o Porto, mas é tempo de repensar e redirecionar nossas escolhas.


Próxima parada, Parque Valongo.


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