Ronaldo Vaio: Estabilizador, estabilizante

Tudo começou quando um colega aqui da Redação relembrou os estabilizadores de voltagem

Por: Ronaldo Vaio  -  09/02/24  -  06:25
  Foto: Reprodução/Internet

Tudo começou quando um colega aqui da Redação relembrou os estabilizadores de voltagem, a eminência parda das tevês de antigamente. Sem eles, ninguém se atreveria a ligar o aparelho, sob pena de jamais voltar a ligá-lo novamente. Apesar da suma importância, eram discretos, não gostavam de aparecer. Na casa da minha avó, por exemplo, ficava no andar de baixo do que seria um ‘rack pré-histórico’, onde só cabiam a tevê, em cima, e o estabilizador, escondidinho na prateleira inferior.


Claro que meu colega e eu fomos ao Google. Em um ou dois cliques, lá estava ele, um cubo de ferro pesado e levemente retangular, em três cores: prateado, em tom esmeralda ou marrom. Surgiu na tela em imagens tão esmaecidas que só poderiam ser da época, os anos 80, e em uma diversidade de nomes desconhecida para o menino de então. Que fosse para uns transformador ou regulador de tensão, para mim será sempre o estabilizador de voltagem.


Como uma coisa leva a outra, me ocorreu: há uma quantidade grande de estabilizadores e estabilizantes, seja do que for, espalhados pelo mundo. Vejamos: há o estabilizador para argamassa, que controla a hidratação do cimento mantendo-o maleável por mais tempo. Na cozinha, encontramos estabilizantes na fórmula de alimentos industrializados, para manter suas propriedades físicas e químicas. São extraídos de várias fontes, até de algas marinhas. Na medicina, há os estabilizadores de humor, como o lítio, utilizados nos casos de transtorno bipolar. Existe ainda um aparelho chamado estabilizador de temperatura, utilizado na indústria para a manutenção rigorosamente constante da temperatura, quando a produção depender disso. Sem falar no estabilizador cardíaco, no estabilizador de tornozelos, no estabilizador de harmônicos, para saxofones, e até o papel estabilizador, para ser usado em bordados — e solúvel em água!


Basta procurar, em toda parte há de se encontrar um estabilizador ou um estabilizante, ainda que com outros nomes. É como eu suspeitava: o mundo é um lugar deveras instável. Qualquer coisinha já o tira do sério, do eixo ou do prumo. Um pouco mais de empatia geral talvez estabilizasse muita coisa — enquanto não inventam, por exemplo, um estabilizador antiguerra, que endureça as articulações do dedo no momento de apertar o gatilho; ou um estabilizante que acabe de vez com a fome, um absurdo impensável de existir no futuro que já chegou — e é construído a cada dia. Há que se inventar o mais rápido possível um estabilizante que anule os efeitos práticos do preconceito, que, sem terra para brotar, acabaria por secar até se extinguir em uma nuvem de pó. E que tal um estabilizador para modular os sentimentos, que auxiliasse a aquecer os corações frios e amainasse a fervura irascível dos quentes? Seríamos mais amor, no ponto, nem mal, nem bem passado. E estabilizados para o que der e vier, de sonho e de vida.


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