Pergunte à lua

Despertamos sempre no dia seguinte, como se puxássemos uma corda e trouxéssemos o futuro para o presente

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  05/04/24  -  06:23
  Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Noite dessas, eu vi a lua. Estava em fase crescente, exalando a luz alheia e rodeada de estrelas, como convém a quem vive no céu. Talvez eu precise explicar melhor: era tarde, estava indo dormir, fui fechar a porta da varanda, na sala, e foi então que vi a lua. Ou melhor, reparei na lua. Isso faz toda a diferença: ao reparar na lua, a lua também reparou em mim.


Perguntei a ela como estava a vida lá no céu. Um marasmo feito de translações, rotações e revoluções, ela respondeu. Eu retruquei que de revoluções e golpes já estava cheio, gostaria mesmo era de experimentar um pouco dessa previsibilidade lunar: desde sempre, ela sabe exatamente para onde, com quem e como vai. A lua franziu suas crateras e afastou um disco voador que passava zumbindo na sua frente: “Meu filho, antes de você chegar, eu já estava aqui; você vai embora, eu vou continuar aqui. A previsibilidade é um dom do tédio, tão maior quanto mais próximo se está da eternidade”.


Fui dormir sem saber se acordaria — mas acordei. Era o dia seguinte, despertamos sempre no dia seguinte, como se puxássemos uma corda e trouxéssemos o futuro para o presente. Pensei na lua lá em cima, escondida pela magnitude do sol, que nem sequer de rotações sabe: limita-se a esvair-se em chamas para que um sujeito como eu levante da cama e vá dormir por anos a fio, e possa até filosofar com a lua em noites nem tanto insones assim. Nem o sol, nem a lua, nem mesmo a Terra, que nos acolhe e embala em seu transladar, sabe de nós a metade. Apenas são: saber é outra coisa, saber, às vezes, é perdição.


Para saber, é necessário um dia ter ignorado: não se pode desfrutar do mel sem a abelha. Mas ao saber, a responsabilidade se expande. Só sei que nada sei é apenas é apenas um marco móvel para o conhecimento: o que sei hoje necessariamente aponta à imensidão do que não sei, e à qual me faltam atributos para sequer intuir o quão vasta é. Melhor nos apegarmos ao que sabemos. São as fundações não só para expandir a nossa consciência, como também para garantir nossa sobrevivência. Mencionei a Terra que nos acolhe e embala. Pois ela já não nos aguenta da forma como nos postamos. Ela desconhece isso, apenas segue sua jornada. Nós, não. Um ser humano é efêmero, a humanidade, não. O fim pode estar na próxima esquina, em alguma hecatombe, climática ou bélica. preparada com esmero. Ou o fim pode ser outro começo, em outra estrela, das bilhões que cintilam a cada noite. A escolha, sabe-se de quem é. Se houver alguma dúvida, pergunte à lua.


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