E não olhe para trás

Ronaldo Abreu Vaio. Jornalista, editor de Galeria

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  15/12/23  -  06:30
Ter confiança em si mesmo não é uma habilidade que se aprende do dia para a noite
Ter confiança em si mesmo não é uma habilidade que se aprende do dia para a noite   Foto: Adobe Stock

Desconheço haver filósofo, guru, mentor ou embusteiro afirmando que na vida se caminha para trás. Tampouco há religioso ou curandeiro que vá à televisão bradar que, para prosperar, é preciso dar meia-volta, volver - além, é claro, de pagar o dízimo, o centésimo, o milésimo, a depender do tamanho da salvação, uma unanimidade nessas searas de céu e inferno. Mas andar para trás, nunca. À exceção do caranguejo, que mira de rabo de olho e avança meio de lado, e do caipora, que se diverte em confundir as teorias ao parecer vir quando está indo, todo mundo sabe que na vida se caminha para diante. Portanto, erga a cabeça, dê o primeiro passo, vá em frente. E não olhe para trás.


Sim, não olhe para trás... depois do adeus, apenas dobre a esquina e siga. Ao constatar que depois do acidente todos já estão bem e têm o que precisam para continuarem a jornada, vá em frente também - e não olhe para trás. Não olhe para trás ao ouvir ‘psiu’ em meio ao nevoeiro, em uma rua deserta, de madrugada; antes, aperte o passo. Ao notar no filho ou na filha um olhar já distante, se notar essa ausência de corpo presente, aliás, corpo que já não abriga mais a criança de outrora, não se lamente, apenas agradeça, siga em frente - e não olhe para trás.


Se, ao contrário, a criança insiste em permanecer onde já não deveria estar, saiba que nenhuma palavra será suficiente, mas que o tempo fará a parte dele, a maturação sempre vem, apenas varia de fruto para fruto; então, resta respirar fundo, ir em frente e não olhar para trás. E quando aquela feijoada, em um dia quente de verão, cair enviesada com ganas de explodir a barriga em raios e trovões, não hesite: corra e não olhe para trás. E se o cachorro latir mais forte no encalço dos calcanhares, corra ainda mais - e nem pense em olhar para trás.


Há tantas razões para seguir em frente e não olhar para trás. É como se um tapete de porvir se estendesse à nossa frente a cada segundo. Que tal seria se eu dissesse que o grande amor estará ali, duas quadras adiante? Já não seria motivo suficiente para, coração aos pulos, apertar o passo e trombar com ele? E sem olhar para trás, claro. Mas, quem sabe, olhando juntos ainda mais à frente, para além de dois, na sincronia dos passos - sem olhar para trás. Por certo haverá dúvida, haverá amargor, haverá desilusão, haverá temor, mas sempre haverá apenas um sentido: ao apontar o adiante, a vida nos renova a esperança. Certa vez, ao ser questionado sobre a serventia das utopias, pois à medida que o ser humano caminha em sua busca, elas também se distanciam no horizonte, o escritor uruguaio Eduardo Galeano respondeu: “As utopias servem para que caminhemos”. Que cultivemos as melhores utopias possíveis. Assim, quem sabe um dia, em cada passo encontraremos o remanso da alma. E sem olhar para trás.


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