Um ano para deixar de ser trouxa

Quem defende políticos cegamente está sendo feito de trouxa. O 8 de janeiro foi instigado por políticos

Por: Rafael Motta  -  05/01/24  -  06:12
  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uns 30 anos atrás, um muro na Ponta da Praia, em Santos, continha esta pichação: “Sem ladrão, a polícia não trabalha”. É uma frase com significados ao gosto do freguês. Ex-editor de A Tribuna, o jornalista e professor universitário João Batista de Macedo Mendes Neto ensina, em suas aulas, que a palavra é metade de quem fala e metade de quem a ouve. Como quem cometeu esse ato de vandalismo não explicou o que quis dizer, cada um pode interpretar o escrito como quiser.


Uma possível comparação seria declarar que, sem governo, a oposição não trabalha. Ou que, sem oposição, o governo não trabalha. Como, aqui, as frases são minhas — mas não que eu tenha sido o primeiro a expressá-las, pois os embates politiqueiros têm mais idade do que qualquer um de nós —, dá para concluir delas que muitos políticos não gostam de política. O que desejam é ter um muro para pichar: um adversário forte a ser combatido não com ideias, mas com xingamentos.


Essa bobagem, que renega a política enquanto trabalho de conciliação de interesses públicos e de descarte do que não agrada a ninguém por ser inútil ou prejudicial ao eleitorado, vem dando mais potencial de votos aos que pretendem se eleger, reeleger ou se manter em alta perante os cidadãos ao longo de seus mandatos. Porque poucos sabem exatamente o que esses pichadores partidários estão fazendo de bom. Nas redes sociais, vivem só para lembrar que existem por falar de outros.


O que há de política na postagem de um deputado que resolve brincar de forca e pede ao internauta que use uma letra para completar uma palavra depreciativa, que pode ser chula, em relação ao principal oponente de seu grupo político e ideológico? Que política existe quando um parlamentar dedica seus dias a postar lembranças de gente impedida pela Justiça de disputar eleições e, até, a apresentar projetos de lei para homenagear os pais dele em viadutos de rodovias?


Não há nada, além do fato de que existem políticos que não gostam de política. Afora ocupantes de cargos públicos não eletivos, como pessoas lotadas em órgãos estatais e/ou assessores indicados por partidos ou líderes de legendas, de qualquer escalão, que passam o tempo a compartilhar notícias favoráveis ao governo para o qual foram nomeados. São informações que nada têm a ver com o trabalho que deveriam estar fazendo: são apenas elogios ao chefe indireto (o patrão direto é o povo).


Quem defende cegamente um político e se deixa levar pelos interesses pessoais de quem nada tem a mostrar, mas sobrevive nas urnas por cumprir o papel de exaltar aliados e depreciar adversários, está sendo feito de trouxa. Pior, vai às urnas como trouxa e, se for uma grande quantidade, leva junto para o buraco uma cidade, um Estado, um País. Ficamos nas mãos de incapazes que, apesar disso, são cabos eleitorais fortes, pois há trouxas.


Disso surgem aberrações como o 8 de janeiro, instigado por políticos que renegam a política e executado por trouxas que acabaram na cadeia. Então, use bem as eleições municipais deste ano.


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