O salto do janeleiro

Janelas dão sentido de algo sorrateiro, clandestino. É a janela partidária, que permite driblar a fidelidade

Por: Rafael Motta  -  01/03/24  -  17:20
  Foto: FreePik

Quem inventou a expressão “janela de oportunidade” foi, querendo ou não, um oportunista. Ele se aproveitou das oportunidades que muitos não tiveram no que desejavam para declarar que há uma saída e, de tão mergulhados em suas preocupações, nem sempre perceberam a existência dela. Às vezes, deve-se criá-la. Com portas trancadas e sem outras passagens de luz, o jeito é martelar uma parede até surgir um buraco para a fuga, a janela que dá a oportunidade de escapar.


Janelas, que não são o caminho ideal, também dão o sentido de algo sorrateiro, inadequado, clandestino. Sem querer, ou talvez por isso mesmo, a classe política criou um instrumento que permite driblar a fidelidade a uma sigla: a janela partidária, que valerá por 30 dias a partir da próxima semana, até se chegar ao período de seis meses antes do primeiro turno das eleições. Tem mandato e não quer correr o risco de cassação? Pule a janela, isto é, fuja, vaze, escafeda-se.


É por janelas, de vez em quando, que amantes se humilham para escapar do flagrante por cônjuges traídos — provavelmente, algo menos comum em Santos, a cidade mais verticalizada do Brasil. “Aquele que não entra pela porta pelo curral das ovelhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante”, disse Jesus Cristo, conforme o primeiro versículo do capítulo 10 do Evangelho segundo João.


Continuando ao pé da letra, dirigentes partidários de olho em vereadores de outras legendas nem sequer podem afirmar que estão de portas abertas para receber aqueles dos quais pretendem obter o passe, tal qual as janelas de transferência no futebol. Poderiam, quem sabe, fazer propaganda: “Partido ‘x’, de janelas escancaradas para seu projeto eleitoral. E para o nosso”. Porque é interesse mútuo. Que plataforma tem o partido? Que defende ou rejeita? É secundário.


Partidos e políticos o fazem, também, porque o eleitorado abandonou o dever de perguntar o que pensam sobre educação, saúde, transporte coletivo, moradia, segurança pública, assistência social. No máximo, políticos dizem o que acham que pessoas querem ouvir, não o que precisam. E, como quem vota ‘não quer saber’, eles, que ganharão muito bem se eleitos ou farão da eleição municipal um trampolim para concorrer a deputado daqui a dois anos, é que não vão perder o sono por isso.


* * *


Entraram para a história, ou para o anedotário, os políticos que passaram o domingo revelando que estariam ao lado de uma ditadura se o golpe de estado tramado por incompetentes da gestão passada tivesse dado certo.


Ser oposicionista é legítimo. Em causas justas, necessário. Apoiar a erosão da democracia porque não se gostou do resultado eleitoral tem outros nomes. Escolha um.


Foi a apoteose da defesa da liberdade, não a do povo, mas a de Jair Bolsonaro, o ex-presidente que, temeroso da própria prisão, suplicou penas mais brandas aos que embarcaram em seu discurso e ficarão longamente trancafiados por culpa do mentor do 8 de janeiro, convenientemente autoexilado na data daquele episódio vergonhoso.


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