Os meninos e o mar

Matheus Tagé, fotojornalista e doutor em Comunicação

Por: Matheus Tagé  -  08/01/24  -  06:21
  Foto: Matheus Tagé/Especial para A Tribuna

O sol estava forte naquela tarde quente de verão. Centenas de pessoas caminhavam pela orla da praia. As sombras se estendiam aos pés dos caminhantes, projetadas pelo sol alaranjado em ângulos que oscilavam em relação ao eixo dos corpos. Eu olhava em direção ao sul e só via silhuetas, uma vez que estava contra a incidência de luz. Os pés tocavam o mar, mas não profundamente, apenas na beira, de forma a usufruir da refrescância natural que a fluidez atlântica provoca, generosamente, na areia quente batida.


Observo que a praia está lotada. Uma família carregava uma porção de isopores pesados, bolas, bumerangues e três guarda-sóis. Mais à frente, um grupo de amigos se reunia com dois coolers coloridos de bebidas e uma caixa de som enorme e barulhenta. No entorno, a escolha da música não parecia unanimidade. A seleção sonora um tanto duvidosa fez uma senhora, que brincava com uma menininha na areia, se levantar e ir embora furiosa.


Um ambulante vestido de Homem-Aranha negociava o preço do algodão doce com um outro grupo grande de turistas; enquanto isso, dois meninos ameaçavam arremessar uma bola nele, na tentativa de ver o super-herói desviar dando cambalhotas, ao despertar seu ‘sentido aranha’. Mas, não foi o caso, a mãe lhes deu uma bronca e mandou brincar em outro lugar. Barulho, muita gente e calor. Um dia normal de verão.


Passei a seguir meu caminho com o andar mais acelerado, também estava incomodado com o barulho da caixa de som. Foi quando percebi, entre as silhuetas que se moviam pela beira do mar, aqueles dois meninos correndo com a bola. Eles passaram rapidamente por mim e logo o mar batia nos joelhos, de forma que a brincadeira dos dois de correr e chutar água estava molhando todos por ali.


Um dos meninos jogou a bola para cima e deu um chute em direção ao mar. O outro garoto gritou: “quem pegar primeiro, ganha!”. E os dois saíram correndo em velocidade para o fundo, para resgatar a bola. Pareciam ser irmãos, ou primos, talvez. Eram dois garotos que aparentavam ter em torno de uns 10 anos, e pela atitude intempestiva, deviam saber nadar. Apesar do chute distante, foram ajudados pelo mar, que facilitou a disputa, ao empurrar a bola para o raso com a força de uma sequência de ondas.


Os adultos, que trouxeram os meninos, estavam entretidos com seus celulares, fotografando e filmando tudo ao redor – aparentemente, para publicação nas redes sociais. Registravam os ambulantes fantasiados, o guarda-sol, um boneco em formato de caranguejo posicionado sobre um balde, e até uma garrafa de cerveja que fincaram na areia – um arremedo, com ar de produção publicitária questionável. Neste contexto de distração ininterrupta, os dois garotos estavam livres para brincar, sem restrições. E a brincadeira estava cada vez mais ousada.


Com a bola nos pés, eles saíram correndo entre o mar de gente, driblando as pessoas que passavam, como se fosse um jogo de futebol. A bola escapou e foi parar perto de um casal. Com a água na altura da canela, um senhor foi tentar devolver a bola chutando, mas, meio atrapalhado, acertou o vazio; uma onda fez um ‘drible’, impedindo que a bola fosse tocada. Era como se o mar não quisesse nenhuma intromissão no jogo dos meninos.


A bola voltava aos pés de um dos garotos, que avisou para o outro se preparar para o cruzamento. Ajeitou de lado e lançou uma bola alta. O outro menino saltou e bateu de primeira em direção ao fundo do mar. Acertou em cheio: a bola sumiu nas ondas. Os dois se olharam receosos. O menino que chutou reconheceu que teria que buscar e saiu mergulhando todo afobado. As ondas estavam mais altas e o garoto que ficou à espera já não enxergava o outro. Assim, resolveu correr em direção aos adultos na areia para pedir ajuda. Os pais saíram desesperados. Procuravam no mar e por entre pessoas na beira, mas nada de achar o menino. Alguns banhistas tentaram ajudar, uma moça até saiu nadando para procurar o garoto perdido.


O outro menino estava agoniado. Uma tragédia, seria o fim das férias. Foi quando, do outro lado da praia, ouviu-se um grito: “Segura essa!”. Em seguida, um som de chute. Olhando para cima, dava para ver uma sombra curiosamente arredondada cruzar a luz solar. Ao aterrissar, bateu em cheio na caixa de som barulhenta e derrubou garrafas de cerveja que estavam sobre um cooler. O menino resgatou a bola, provavelmente, ajudado pelo mar. A mãe saiu atrás deles furiosa e os dois correram chutando a bola e dando risada. Afinal, é verão. Boa semana!


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