O X da questão

População precisa estar atenta às influências que recebe através das mídias e nas rodas de conversa

Por: Matheus Tagé  -  15/04/24  -  06:36
  Foto: Reprodução

Uma influenciadora divulga um método para emagrecimento em uma rede social. Um detalhe: ela não é médica nem nutricionista, mas impacta milhares de seguidores. Um rapaz publica um vídeo explicando como investir em criptomoedas. Embora não seja um especialista no assunto, consegue engajamento. O leitor deve se lembrar da pandemia da covid-19, quando informações conspiracionistas e supostas pesquisas de origem duvidosa circulavam pelas redes falando sobre tratamentos não comprovados cientificamente. O conteúdo disseminado causou uma série de consequências.


Nas eleições dos últimos anos, foram inúmeros os casos de compartilhamento de fake news e todo tipo de desinformação quanto à credibilidade do sistema eleitoral, insinuações falsas sobre candidatos, vídeos e cortes sonoros fabricados, além de incitações à tentativa de ruptura com o sistema democrático. Nem todos os usuários de redes sociais têm o costume de checar informações. Aliás, a maioria não checa absolutamente nada. A responsabilidade pelo conteúdo, e por suas consequências, se dissipa na imensidão do ciberespaço.


Em seu livro A Máquina do Caos, Max Fisher observa que as redes sociais criam um ciclo de retroalimentação de validação social, de forma que alguns fatores propiciam a lógica de participação. As redes são pensadas de forma a construir um senso de comunidade: espaço onde podemos emular comportamentos vetados no mundo real, observar os outros anonimamente e, ao mesmo tempo, alcançar altos níveis de dopamina quando temos uma publicação curtida, comentada ou compartilhada. Assim, seguimos interagindo em busca de mais experiências satisfatórias. Esta perspectiva provoca um descolamento até mesmo com a lógica do tempo natural, que é fragmentado infinitamente pelo acelerado tempo de tela. O ambiente imersivo, estruturado por estímulos ininterruptos, quebra o eixo da realidade e institui uma dimensão que parece ser mais interessante de habitar.


A questão é que as redes sociais deram voz a todo tipo de discurso, inclusive o de ódio. Sendo um círculo virtual de sociabilidades, a possibilidade de agenciamento suprime o discernimento crítico e ético. Imagine um jogo de videogame sem regras. Só que, no caso, com impactos na realidade. Neste cenário, o bilionário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) – mas também da SpaceX, Tesla e Neuralink – se apropriou do conceito de ‘liberdade de expressão’ para embasar sua disputa contra decisões judiciais no Brasil.


É curioso observar que uma concepção ambígua de liberdade ganhou protagonismo, em paralelo à discussão sobre regulamentação. Apesar do tema evocar contrapontos plausíveis, é importante analisar que a presença de Musk no debate desconstrói a questão. Ao que parece, o bilionário, que não quer se responsabilizar pelos conteúdos de sua rede social, serviu de símbolo para que uma onda de apoiadores politizasse esta temática.


O personagem tem sua imagem construída por meio de estruturas da cultura pop. Este imaginário foi instrumentalizado a partir de oportunas participações em produções do cinema, como Homem de Ferro 2, The Big Bang Theory e Os Simpsons. Sempre repetindo um estereótipo romantizado de gênio bilionário – uma figura idealizada, como se fosse possível existir um Tony Stark da vida real. Na prática, bilionários não projetam foguetes, apenas personalizam em sua imagem o resultado de todo um sistema de produção, que pouco ou nada conhecem.


Devemos recordar sua frase: “Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso”, ao sugerir uma interferência internacional na Bolívia, em razão da reserva de lítio do país, em 2019 – um recurso estratégico para a fabricação de carros elétricos. O magnata também manifestou interesse em investir na extração do recurso mineral no Brasil, em uma nebulosa visita, em 2022. Se fosse a liberdade de expressão o seu principal objetivo, talvez devesse mirar em outros lugares do mundo – na China ou Arábia Saudita, por exemplo. Mas focou esforços na tentativa de uma desestabilização política no Brasil.


É necessário pontuar que a liberdade de expressão no País se dá por meio de alguns limites: ou seja, não é irrestrita. A delimitação se constitui a partir do fato de que a liberdade não autoriza a prática de crimes, portanto, não pode transpassar direitos fundamentais – afinal, vivemos em sociedade. A utopia infocrática, analisada pelo filósofo Byung Chul-Han, demonstra que a sociedade digital não é livre nem democrática, mas, sim, uma ilusão. Uma vez que os algoritmos despolitizam e manobram os usuários, que passam por uma massificação. Algo que verificamos no comportamento errático de parte dos brasileiros apoiadores de Musk, refletindo, ironicamente, o triste complexo cunhado por Nelson Rodrigues – de vira-lata – nossa eterna contradição civilizatória.


Esse conflito provoca a necessidade de uma discussão séria acerca da regulamentação das redes. É preciso identificar as intenções escusas nos discursos. Há que se encontrar um caminho em que a liberdade de expressão nos meios digitais alcance algum equilíbrio. Boa semana!


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