O sommelier de tudo

'Me sinto em um labirinto de produtos e marcas'

Por: Matheus Tagé  -  22/01/24  -  06:46
  Foto: Adobe Stock

O supermercado estava com pouco movimento naquela noite de sexta-feira e eu procurava alguns produtos para o jantar com uma lista roteirizada no bloco de anotações do celular. No corredor que estava, havia um funcionário repondo uma sequência de latas de atum; mais à frente, uma senhora verificava os preços de embalagens de azeitonas. Confesso que demoro muito tempo para encontrar os itens no supermercado, nunca decoro a ordem nas prateleiras, a sequência dos corredores, nem mesmo o motivo de certas subdivisões. Às vezes, me disperso e acabo colocando coisas no carrinho que não estavam previstas na lista e esqueço outras. Me sinto em um labirinto de produtos e marcas – uma confusão.


Enquanto procurava uma embalagem de macarrão do tipo espaguete para fazer no jantar, comparava os preços entre algumas marcas disponíveis e, com olhar indeciso, verificava as diferenças nas embalagens para entender as especificações. De repente, um rapaz e uma moça entraram no mercado. Eles falavam alto e parecia que iam levar algumas compras para um evento na casa de alguém. Ela aparentava estar com pressa, mas o rapaz, nem tanto.


A moça passou por mim no corredor e foi pegando uma série de itens, depois deu a volta e foi para a seção seguinte, no outro lado. O rapaz ficou esperando, mexendo no celular, próximo ao caixa. Depois de uns dez minutos, eles se encontraram novamente, e o carrinho já estava cheio. “Pronto, já peguei tudo, vamos embora”, disse a moça. O homem guardou o celular no bolso e deu uma olhada no carrinho. “Deixa eu ver se falta algo”, respondeu.


“Precisamos rever algumas coisas”, afirmou o rapaz em um tom meio pedante. A moça não conseguiu disfarçar o desânimo e deixou cair os ombros em uma expressão de aborrecimento. “Lá vamos nós...”, respondeu contrariada. O rapaz passou a pilotar o carrinho e foi fazendo o caminho inverso, analisando e apontando críticas em cada produto e marca que ela havia escolhido. Sobrou até para algumas marcas de salsicha – um tipo de produto que, na minha concepção, tem como única função aumentar o colesterol, independente do preço ou da marca.


Mas a análise continuava. Pensei por um momento que talvez o rapaz fosse nutricionista ou algum especialista em gastronomia. Afinal, ele parecia saber de tudo um pouco e elencava de forma professoral as melhores marcas de bolachas recheadas, os salgadinhos certos e até mesmo as azeitonas corretas. Ele retirava os itens do carrinho e os substituía por outros, de forma a destacar qual a marca ideal para cada um deles. A moça já parecia estar de saco cheio.


Eu ainda estava parado tentando ver qual espaguete tinha o melhor preço, quando observei que a senhora do corredor das azeitonas também estava prestando atenção nas dicas de consumo do rapaz. Discretamente, ela foi devolvendo às prateleiras alguns produtos que escolhera e os trocava por marcas indicadas pelo especialista. O homem falava alto e era impossível não escutar a conversa. Até mesmo uma garrafa de água ele trocou por outra de uma marca que considerava adequada. Por incrível que pareça, ele justificou que a substituição era por conta do ‘sabor’ da água. Sim, isso mesmo: ele comparou o sabor da água.


A essa altura, a senhora já havia trocado praticamente todos os produtos por outros das marcas indicadas pelo sommelier de tudo. Embora qualquer sensor de picaretagem já estivesse acusando que, na verdade, o rapaz devia estar de brincadeira, eu ainda aguardava ansioso para ver o que ele ia falar sobre os molhos de tomate.


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