Buraco sem fundo

A CBF vive mais um grave momento de sua história, mantendo o futebol brasileiro num buraco que parece não ter fundo

Por: Marcio Calves  -  07/01/24  -  06:21
  Foto: Divulgação/CBF

Ednaldo Rodrigues está de volta à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Numa decisão liminar, com uma argumentação frágil, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes anulou um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e reconduziu o dirigente ao cargo. Ednaldo chegou com tudo, como se diz na linguagem popular. Poucas horas após reassumir o cargo, de forma sumária, anunciou a demissão de Fernando Diniz do cargo de técnico da seleção brasileira. A argumentação é de que, diante da renovação do contrato de Carlo Ancelotti com o Real Madrid, era preciso imediatamente definir um treinador definitivo para a equipe nacional.


O treinador italiano era o sonho de consumo do dirigente desde o ano passado. A amigos, confidenciou que a vinda do treinador estava consolidada após vários contatos principalmente por meio de intermediários. Ancelotti nunca admitiu tal acordo, pelo contrário, sempre evitou falar sobre o assunto e nunca deu um mínimo sinal de que estaria disposto a dirigir o Brasil na próxima Copa do Mundo. Por tudo que ocorreu, parece claro que Rodrigues mentiu ou simplesmente se alimentou de um sonho impossível. E o pior, sem um mínimo respeito, usou o técnico do Fluminense para manter sua estratégia pessoal.


A decisão de anunciar Fernando Diniz como interino foi parte de uma farsa absoluta, para dar a impressão de que efetivamente Ancelotti teria aceito o comando do time brasileiro. Diante da impossibilidade de realmente contar com o treinador italiano, impunha-se que mantivesse Diniz no cargo, para continuidade do trabalho de transformação da falida cultura que envolve o futebol brasileiro. O dirigente ainda argumentou que havia assumido um compromisso com o presidente do Fluminense, Mário Bittencourt, de não tirar o profissional do clube. Assim, dentro de sua lógica, não poderia efetivá-lo no cargo.


Tal tese também não se sustenta e não convence ninguém que a demissão de Fernando Diniz só ocorreu pela necessidade de montar uma comissão técnica definitiva. Nos bastidores, comenta-se até que a decisão de Rodrigues tem um pouco de vingança, pelo fato do treinador não ter demonstrado solidariedade pública no momento em que o dirigente foi afastado do comando da CBF. A decisão de demitir Diniz, sem dúvida, vai além do desrespeito e falta de bom senso e competência. É mais um sinal do desgoverno que envolve o futebol brasileiro. É uma nau sem rumo, sem comandante, à beira de um naufrágio final.


Rodrigues, antes de ser reconduzido ao cargo, garantiu que não disputaria a próxima eleição, prevista para breve. De volta ao poder (e com muito poder, principalmente financeiro), poderá perfeitamente negar o que disse e pleitear um novo mandato. Durante o seu afastamento, o Brasil esportivo se dividiu: cerca de 30 grandes clubes e pelo menos oito federações assinaram um manifesto pedindo uma mudança radical nos rumos do futebol brasileiro. Até lançaram a candidatura do atual presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinado Carneiro Bastos. O outro lado do Brasil, que parece maioria, se manteve em silêncio, numa demonstração tácita que também pretende o comando do futebol. Segundo observadores importantes, esse grupo é favorito, evitando mais uma vez que São Paulo assuma o comando do futebol nacional.


Independentemente do resultado da eleição, Rodrigues parece disposto a continuar seu estrago na CBF. Nas últimas horas, iniciou contatos para contratar um novo técnico, com Dorival Júnior, atualmente no São Paulo, como primeira opção. Junto com ele, tem intenção de contratar o ex-jogador Filipe Luís, que atuou por anos na Europa e recentemente se aposentou no Flamengo.


Dorival Júnior se valorizou nos últimos anos e tem um perfil sério, porém, ainda não atingiu um patamar diferenciado. Não é o ideal para o atual momento do futebol brasileiro. Se tiver um mínimo de bom senso, deverá recusar eventual convite, principalmente pela falta de segurança.


Não está descartada a possibilidade do plenário do STF cassar a liminar após o recesso do Judiciário e Rodrigues ser novamente ejetado do cargo. Nesse caso, o futuro presidente poderá optar por outro treinador, condenando Dorival ao desemprego temporário. Há ainda um outro fator importante: a realização da eleição para escolha do novo presidente. O futuro dirigente com certeza terá suas preferências e, se optar por mudanças, Dorival ou outro qualquer também será descartado como lixo reciclável. O mais grave de todo esse contexto é a confirmação de que a CBF vive mais um grave momento de sua história, mantendo o futebol brasileiro num buraco que parece não ter fundo.


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