A queima do ídolo

Torcedores do Cruzeiro queimaram bandeira com a imagem de Ronaldo Fenômeno, um dos maiores ídolos da história do clube

Por: Marcio Calves  -  14/04/24  -  07:11
Ex-ídolo do Cruzeiro em campo, o lado gestor de Ronaldo Fenômeno não agrada a torcida
Ex-ídolo do Cruzeiro em campo, o lado gestor de Ronaldo Fenômeno não agrada a torcida   Foto: Staff Images/Cruzeiro

O ato público causou grande impacto no Brasil e no exterior. Torcedores do Cruzeiro queimaram uma bandeira com a imagem de Ronaldo Fenômeno, um dos maiores ídolos da história do clube, ao lado de craques como Tostão, Dirceu Lopes e muitos outros. Nos anos 60, o Cruzeiro foi um dos poucos times que ousaram desafiar a autoridade nacional do Santos com um time também fantástico. Há muito que o clube tem sérios problemas de gestão, que já provocaram até o rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro.


O protesto contra o Fenômeno se deu após o empate por 3 a 3 no jogo contra o Alianza, pela Copa Sul-Americana, na semana passada. O time vencia por 3 a 0 e permitiu o empate por 3 a 3, contando até com uma falha grave do goleiro Rafael. Na prática, a agressão desmedida à imagem de Ronaldo foi também uma consequência da perda, na semana passada, do título mineiro para o Atlético, em pleno Mineirão, por 3 a 1. A rivalidade nesse momento prevalece, relegando a um plano secundário todo um passado de glórias e uma carreira mundial.


Outro resultado indigesto e desagradável foi a recente eliminação na primeira fase da Copa do Brasil para o limitado Sousa, da Paraíba. O Cruzeiro hoje é uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), justamente comandada por seu grande ídolo, que comprou 90% ações do clube. Ronaldo, hoje, é um grande empresário, com grandes interesses no futebol brasileiro e mundial, a ponto de também ser acionista majoritário de um clube na liga espanhola. Lá também já foi alvo de grandes protestos. Nessa condição, é pragmático, com focos principalmente nos resultados financeiros.


O problema maior é que nesse contexto o resultado de campo na maioria das vezes não se sobrepõe ao chamado Plano de Negócios. A primeira defesa é dos interesses comerciais próprios e dos parceiros de investimento, ainda que o futebol seja a base para o sucesso geral. O torcedor é um eterno apaixonado e via de regra reage emocionalmente, independentemente do passado e da história do jogador no clube. Ele quer resultados e grandes conquistas, nem que para isso seja necessário queimar a imagem do passado.


Sem dúvida, o problema maior do Cruzeiro é seu passivo financeiro, que compromete a capacidade de investimento no futebol. Ronaldo, porém, segue uma cartilha que, como jogador, sempre condenou, que envolve a sucessiva troca de técnicos por falta de resultados no campo. Só em 2023 foram quatro e recentemente mais um foi demitido pela perda do Mineiro. O novo técnico é o desconhecido Fernando Seabra, que dirigia o Red Bull Bragantino II, equipe sub-23 do time de Bragança Paulista. O torcedor, é claro, já protestou, contestando o critério de contratação.


A situação do Cruzeiro e os protestos contra um de seus maiores ídolos expõem, mais uma vez, a validade da transformação do clube em uma SAF. Na linha do time mineiro já foram outros grandes clubes, como Botafogo, Vasco, Bahia e Cuiabá. Nenhum deles rigorosamente mudou de patamar técnico, montando um grande time. O Bahia é um bom exemplo: vendeu 90% de suas ações ao grupo City, que dentre outros controla o Manchester City, e até agora mantém seu padrão mediano. Na semana passada, por exemplo, perdeu o Campeonato Baiano para o Vitória, seu eterno rival. Em pior situação estão os clubes cariocas, colecionando resultados negativos e protestos dos torcedores.


No último Campeonato Brasileiro, o Botafogo foi um grande fiasco, perdendo um título nacional de forma absurda. O Vasco, por sua vez, só evitou o rebaixamento na última rodada de 2023 e tudo indica que viverá um novo calvário na temporada que se iniciou no sábado (13). Na contramão das SAFs seguem Palmeiras e Flamengo, os dois melhores times do futebol brasileiro e novamente favoritos aos títulos em disputa. Suas gestões seguem o modelo tradicional, com responsabilidade, competência e profissionalismo.


A transformação de um clube em SAF não deve ser definitivamente descartada, porém, a fórmula atual tem que ser alterada. Nenhum clube vale apenas o valor de sua dívida e uma promessa de investimento limitada. Todos, sem exceção, venderam suas marcas em baixa, contrariando normas básicas de um grande negócio. Qualquer leigo tem essa percepção, mesmo um simples torcedor, que não hesitará em queimar seus próprios ídolos.


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