Ziraldo estava ali, eu pedi a foto

Meus pais morriam de rir com o Pasquim. Eu, ainda criança, não entendia nada ou quase nada daquilo

Por: Julinho Bittencourt  -  10/04/24  -  06:17
  Foto: Arquivo Pessoal

Meus pais morriam de rir com o Pasquim. Eu, ainda criança, não entendia nada ou quase nada daquilo. Mas achava os desenhos bonitos, engraçados. Foi em 1969, eu então com 9 anos, que me encantei completamente com Ziraldo ao ler (e, sobretudo, ver) o livro Flicts.


A publicação, surpreendentemente, tratava pura e simplesmente da invenção de uma cor. Assim como o amarelo, o azul, o vermelho, o flicts era uma cor! Mas era uma cor diferente, solitária, meio triste. Uma cor que não encontrava seu lugar em nada na Terra, nas roupas, carros, fachadas, livros, nada.


O desfecho – e me perdoem aqui o spoiler –, pra lá de surpreendente, era simples e maravilhosamente poético: “a Lua é flicts!”.


Aquele foi, sem sombra de dúvida, um dos primeiros alumbramentos que tive na vida. E que perdurou para todo o sempre. A capacidade de Ziraldo em tocar o emocional do menino se estendeu para o adulto através de suas inúmeras e profusas publicações. Desde então, ele participou de outras publicações, filmes, peças teatrais, discos e tudo o mais que se pode imaginar de bom.


Certa vez, enquanto fazia a assessoria do Carnaval de São Paulo, cercado de celebridades e subcelebridades por todos os lados, me deparei com o Ziraldo. Lá estava ele! O cara do Pasquim, do Flicts, o próprio Menino Maluquinho ali, em carne e osso, bem na minha frente. Nem pestanejei. Cheguei perto e falei, em alto e bom som: “Ziraldo, não tô nem aí pra nenhum desses, mas você é outra coisa. Tira uma foto comigo, tira?”.


Ele caiu na gargalhada, me abraçou e disse: “Só se for agora!”. Meio entre o trêmulo e cheio de alegria com o incontrolável bom-humor e simpatia dele, parei ao seu lado e tiramos a foto (esta que está ao lado). Os dois gargalhando. A cena durou apenas alguns segundos, mas serviu para provar que se tratava, sim, de um homem que rimava perfeitamente com o artista. Os dois eram – e isso é coisa rara – uma coisa só.


Naquele momento, pensei orgulhoso que iria mostrar a imagem o mais rápido possível para o meu pai. E faria o mesmo com a mãe, não tivesse ela partido tão cedo. Lá estava eu ao lado de um dos inventores do Pasquim, do criador da cor mais triste do planeta. Tão triste que só teve serventia mesmo fora dele.


Ziraldo se foi. Andava pelas ruas em uma tarde chuvosa quando minha filha viu a notícia no celular e me avisou. O céu, nós dois e outros tantos milhões de brasileiros caímos no choro. Não tenho, de fato, como perceber, enxergar e, tampouco, agradecer o tanto que ele fez por nós, desde a infância até sempre.


Ziraldo foi a alegria da vida. De toda a vida.


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