Julinho Bittencourt: Os últimos dias da Disqueria, um templo de Santos

A cidade, no entanto, e para o bem de todos, não parou

Por: Julinho Bittencourt  -  28/02/24  -  06:10
  Foto: Divulgação

Com o fechamento da Disqueria, uma parte de Santos também se vai. A loja talvez seja um dos últimos negócios de uma geração que movimentou a vida cultural da cidade, como o Torto, o Bar da Praia e o Barnabé, locais do empresário Eduardo Caldeira, entre vários outros.


A cidade, no entanto, e para o bem de todos, não parou. Outros estabelecimentos semelhantes permanecem, como a Blaster e a Besouro Discos, e tantos mais que surgiram e surgem. Mas a Disqueria, sem sombra de dúvidas, encerra uma era.


A loja começou lá atrás, ainda na década de 1980, a partir da história de amor entre a Cláudia Chelotti e o DJ Wagner Parra. E, consequentemente, como amor se desdobra, com a paixão dos dois pela música, os discos, a literatura e o cinema. Os dois endereços mais duradouros foram na Rua Goiás, esquina com o Canal 3, e esta que fecha agora, na Avenida Conselheiro Nébias, quase esquina com a praia.


Wagner nos deixou em fevereiro de 2015, poucos anos depois de ter aberto a loja atual, a mais bonita e bem localizada de todas, com direito a lindos desenhos do Lauro Freire espalhados pelas colunas da construção típica da década de 1950 na cidade. Na época, com seu humor ácido, Wagner afirmou: “Cansei de ser nobre em endereço alternativo”.


A Disqueria era, sempre foi e continuará sendo um lugar único. Um ponto de pessoas apaixonadas, a começar pelos próprios donos. Uma visita a ela significa mergulhar no mundo dominado pelo cinema e a literatura da Cláudia e da música, do Wagner. Aqueles objetos mágicos, os CDs e LPs, livros e DVDs, não estão espalhados a esmo por lá. Cada um deles tem o seu valor, devidamente atribuído pelos donos, que sabem exatamente do que se trata, aconselham, conversam, trocam.


A Disqueria teve vida longa com a Cláudia sozinha à frente. Para tal, além do seu conhecimento amplo, contou com a ajuda e a sabedoria de algumas pessoas, entre elas o Pedro Paulo, um menino extremamente inteligente e conhecedor de música e discos como poucos.


Assim foi e tem sido até o final desta semana, quando fecha suas portas. O anúncio do encerramento provocou uma corrida à loja. Cláudia resolveu anunciar todas as mercadorias com descontos de 50% até amanhã, curiosamente uma data que se repete apenas de quatro em quatro anos, talvez para que ninguém se esqueça.


A própria Cláudia resolveu não aparecer nessas duas semanas de fechamento. Não quer ver. Ficaram na loja cuidando de tudo alguns de seus amigos bem próximos. Ao me deparar com a pequena multidão que estava por lá uma última vez para garimpar os LPs, CDs e livros que ainda restavam, me dei conta que estes objetivos, para aquelas pessoas, era o que menos importava.


Elas estavam por lá mesmo era para se despedir. O que levavam consigo eram muito mais lembranças, souvenirs, do que objetos culturais.


Certa vez, longe de Santos e morto de saudades, disse a alguém que estava louco para ir até a Disqueria comprar uns discos e conversar com a Cláudia e o Wagner. Para mim, aquela visita era uma das coisas mais intensas que me identificavam com a minha cidade.


Hoje, há outras cidades dentro de Santos para se voltar. Com a Disqueria, um tempo mágico se fecha para dar lugar a outros que a loja, com seus donos, ajudou a formar.


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