Privatização portuária em marcha batida

A rigor, vivemos uma reprivatização dos portos brasileiros

Por: Frederico Bussinger  -  30/08/22  -  06:25
Operação sob gestão estatal só por um interregno, até breve, destacando-se os 15 anos da era Portobras (1975-90).
Operação sob gestão estatal só por um interregno, até breve, destacando-se os 15 anos da era Portobras (1975-90).   Foto: Matheus Tagé/AT

“Quando a privatização chegará aos portos?” (ou variante) ainda é ouvido de quando em vez. “Ela está concluída”, respondo... para surpresa de muitos interlocutores, que vira incredulidade quando acrescento: “há bastante tempo”. Mas busco aclarar: mesmo nossos portos públicos nasceram privados há cento e pouco anos. Operação sob gestão estatal só por um interregno, até breve, destacando-se os 15 anos da era Portobras (1975-90).


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Assim, a rigor, vivemos uma reprivatização, cuja largada teria sido dada pela Lei dos Portos, em 1993. Nessa explicação, uma imprecisão, pois nas décadas anteriores diversas medidas privatizantes já tinham sido adotadas. Por exemplo: Terminal de Uso Privado (TUP) fora da área do porto organizado (APO) movimentando carga própria; nos portos públicos, contrato operacional e contrato operacional com arrendamento de área; Terminal Retroportuário Alfandegado (TRA, para armazenagem); servidão de passagem para “terminal sem cais”, como também outras atividades acessórias. Ou seja, um novo ciclo de reformas portuárias já se desenvolvia, orientado no sentido de privatizar-se diversos elos da cadeia logística fora do cais.


Internacionalmente, mais ou menos contemporâneos, dois outros processos estavam em curso (Era Thatcher-Reagan): privatização e globalização. Esta provocando aumento acelerado dos fluxos de comércio e de movimentação de cargas internacionais; com inexorável pressão sobre os portos, em escala geralmente ainda maior. Esse o pano de fundo, contextualizador, das eleições de 1989, do programa de privatização do governo eleito, e da pressão para que o setor privado voltasse à beira do cais. Isso justificado como meio para aumento da eficiência, redução de custos e elevação da capacidade portuária/logística. Certamente esses foram vetores que levaram ao Projeto de Lei (PL) 8/91 (PL, não medida provisória!) e, daí, à lei balizadora do novo modelo.


A Lei 8.630/93 é, assim, dialeticamente, tanto: i) resultado das reformas que já haviam ocorrido nas três décadas anteriores e desse contexto internacional; como, também: ii) foi o alvorecer de um novo ciclo de reformas. Por exemplo: decisão político-administrativa (pois a lei apenas permitia!) de afastamento das administrações portuárias das operações, o que ocorreu paulatinamente; operador portuário pré-qualificado; arrendatário; TUP dentro da APO com carga própria; arrendamentos emergenciais; condomínio portuário privado. Como resultado, o Brasil adentrou o século 21 com suas operações portuárias 100% sendo realizadas pela iniciativa privada (exceções pontuais); situação mantida até hoje.


A Lei 12.815/13 deu uma volta a mais no parafuso: TUPs também movimentando cargas de terceiros (como os terminais arrendados); e infraestrutura básica delegada (dragagem, por exemplo). A desestatização de administrações portuárias, por conseguinte, é/seria “apenas” mais uma etapa desse processo de reprivatização, em marcha batida. Uma curiosidade: desde a volta das eleições diretas (1989), o Brasil já teve sete presidentes e 25 ministros com atribuições sobre os portos: origens e perfis distintos; partidos e orientações políticas diversas. E, ademais: exerceram seus mandatos e administrações sob leis e normas heterogêneas; e com políticas públicas, planos e programas vários.


Como explicar, então, a marcha batida privatizante nos portos brasileiros há mais de meio século? Haveria uma “mão invisível”, na linha da metáfora imortalizada por Adam Smith no século 18? Conhecer a história e entender os processos podem nos ajudar a acertar mais nos próximos passos de reformas portuárias.


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