Novidades e desafios na desestatização portuária de Santos

Uma análise sobre a documentação do processo de concessão da SPA à iniciativa privada

Por: Frederico Bussinger  -  08/10/22  -  06:31
Novidades e desafios na desestatização portuária de Santos
Novidades e desafios na desestatização portuária de Santos   Foto: Matheus Tagé/AT

A primeira novidade é processual: desta vez sem sigilo, a documentação da desestatização da Santos Port Authority (SPA, gestora do Porto de Santos), encaminhada ao Tribunal de Contas da União (TCU), foi disponibilizada na internet pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) dias depois. Dou meus parabéns à agência, ao tribunal e ao Ministério da Infraestrutura (MInfra)! Mas há mais nos 29 documentos (1.050 páginas); destacando-se três pontos: Poligonal, túnel e critério de participação.


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Na modelagem inicial, o concessionário apenas financiaria os investimentos do túnel; cabendo a uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) sua implantação, operação e exploração. Essa ideia foi abandonada e, agora, Porto e túnel estão sob a mesma concessão.


Às vésperas da 1º audiência pública da desestatização, e um ano e meio após a modificação anterior, a Portaria 66, de 18 de janeiro de 2022, definiu uma nova Poligonal do Porto Organizado, praticamente duplicando-lhe a área. Similar e simetricamente, um mês antes da documentação chegar ao TCU, o MInfra abriu consulta pública sobre uma nova proposta, agora para reduzir a Poligonal. A consulta está encerrada e o relatório, elaborado, mas ainda não foi publicada a respectiva portaria oficializando-a, razão pela qual o “ato justificatório” faz uma ressalva: “... após a portaria, com a definição da nova Poligonal, essa nota técnica será atualizada”. Entende-se, assim, que a documentação encaminhada ao TCU ainda pode sofrer alterações.


Afora esse aspecto formal, e além da exclusão das grandes áreas de Bagres e Caneu, há ainda o STS10, considerado a “joia da coroa” que, ao que tudo indica, será leiloado à parte. O que de relevante sobrará ao concessionário para expansões? O interesse na desestatização da SPA será reduzido? É o que incisivamente arguiram algumas “contribuições” na recente consulta.


Quantitativamente, houve pequenos ajustes, em geral a menor, nos valores das contribuições fixas e variáveis, recursos vinculados, verba de fiscalização e valor da outorga. Mas os principais foram no Capex do túnel (40% maior) e outorga (118%); ambos certamente afetando a margem líquida (lucro) referencial: de até 40%, em alguns anos, foi reduzida para “apenas” 30%: bom negócio; não?


Na versão anterior, o critério de participação era o 15/40. Ou seja, a participação de grupos econômicos de arrendatários, Terminais de Uso Privado (TUPs), operadores, armadores e concessionários ferroviários era limitada a 15%, individualmente, e 40% em conjunto. Agora, arrendatários e ferroviários poderão chegar a 100% em consórcio, desde que até 5% cada um. Chama atenção, entretanto, que qualquer que seja o arranjo, não é exigida qualificação técnica; justificado pela expertise da SPA: ué; mas a estabilidade dos seus técnicos não é de, apenas, um ano?


Muita coisa, porém, persiste. Por exemplo: i) seria mais próprio utilizar-se, apenas, o termo administração, vez que a maioria das clássicas funções de “autoridade portuária”, segundo benchmarking internacional, pelo modelo adotado, deverão ser exercidas pelo MInfra e Antaq; ii) confirmando hipótese, a União é a primeira beneficiária da desestatização: antes mesmo do leilão, já lhe foram transferidos R$ 313,6 milhões, gerando dúvidas sobre a intenção “não arrecadatória” da desestatização; iii) dúvidas também de usuários quanto à estabilidade do modelo e instrumentos regulatórios: não seria o caso de fazer-se “testes de estresse”, como usados para bancos?


O cronograma segue indicando o leilão “até o final de 2022”. Para tanto, se o cronograma da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) for paradigma, o edital deverá ser publicado até 31 de outubro. Considerando as pendências da documentação, desafio certamente hercúleo para o TCU e, depois, para os órgãos operadores do leilão.


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