CAP e a governança portuária

TCU retira de pauta processo de desestatização do Porto de Santos com três pedidos de vista

Por: Frederico Bussinger  -  14/12/22  -  06:37
TCU retira de pauta processo de desestatização do Porto de Santos com três pedidos de vista
TCU retira de pauta processo de desestatização do Porto de Santos com três pedidos de vista   Foto: Matheus Tagé/AT

Após a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), ontem, ganha ainda maior importância a audiência pública que a Câmara Municipal santista promove, hoje, para discutir o futuro do Porto.


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Mais que a retirada de pauta do projeto de desestatização da Santos Port Authority (SPA), em função dos três pedidos de vista, chamaram atenção: i) informações do relator de que o processo, ao retornar, deverá vir com roupagem nova, pois o governo eleito deseja avaliar desestatizações em outros portos antes de prosseguir com Santos; ii) o rol de dúvidas e objeções levantadas em menos de 15 minutos, como registrou o ministro Vital do Rego: algumas pontuais, como a modelagem do túnel Santos-Guarujá, riscos de verticalização e conta vinculada. Mas também há outras basilares: “Por que privatizar se dá lucro?”, indagou o ministro Benjamin Zymler. E ele foi além: “Por que privatizar se, em outros países, administrações portuárias (AP) são públicas?”; implicitamente endossado pelo relator ao distinguir terminais de administrações (“guardas de trânsito”, na sua analogia).


Pedido de vista era esperado; mas não questionamentos desse grau e tantos condicionantes. Assim, o mais provável é que: i) o TCU não volte a se debruçar sobre o tema no prazo autodefinido de 45 dias pós-recesso; ii) nos próximos (muitos) meses o Porto de Santos deverá estar em debate; do qual a audiência de hoje é como que um pontapé inicial.


Durante os últimos anos, enquanto desestatização/privatização (das APs) era o título do filme, ativos e investimentos (quantitativamente) foram o foco e dominaram o noticiário. Mas a pauta é extensa: infraestrutura (portuária e de acessos; terrestres e aquaviários) e regulação, desde logo. Mas também operações; relação porto, cidade e região; questões ambientais (mormente após a COP27 e sob a onda ESG corrente); e trabalho (postos e qualificação). Ademais, um tema que, apesar de estar no DNA da desestatização, ficou em segundo plano: governança; cuja pauta, em si, é multifacetada.


Escopo: o objeto da desestatização era o Porto Organizado (PO). Com as sucessivas alterações/reduções da Poligonal, geralmente com foco patrimonial, um novo ente se impôs: o Complexo Portuário (CP). Este inclui o PO, Terminais de Uso Privado (TUPs) e, mesmo, canal de acesso dedicado e a ferradura ferroviária: na prática, todo o Estuário. Como esse universo tem, funcionalmente, elevado grau de interdependência, uma primeira definição: a governança abrangerá apenas o PO ou já o CP?


Gestão: interrelação da administradora com as demais instâncias locais (Conselho de Autoridade Portuária, o CAP; Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), prefeituras, etc.); se responsável por toda a infraestrutura básica e serviços condominiais (do PO ou do CP) ou se com algumas outorgas independentes (infraestrutura aquaviária, por exemplo; e se sob uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) privada (condominial ou acionista independente), mista ou pública, são definições essenciais para caracterização da governança.


Autonomia: praticamente todas as funções de autoridade portuária passaram, progressivamente, a se concentrar no Ministério da Infraestrutura (MInfra) e na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); ainda que, sob muitos aspectos, TCU e Ministério Público Federal (MPF) também tomem decisões a respeito. O quanto dessas funções retornará às instâncias de cada porto; e se haverá uma regra geral ou se será caso a caso são temas já postos na mesa. E em vários fóruns.


CAP: a principal bandeira sobre ele tem sido seu caráter; se consultivo ou deliberativo. Mas deliberativo de quê? As definições quanto à gestão e à autonomia são matéria-prima para avanços nessa discussão; da mesma forma que a segmentação em decisões estratégicas, táticas (políticas) e operacionais muito pode contribuir. Para além de um ativo, ou mesmo um elo de cadeia logística, portos são agentes de desenvolvimento regional. Assim, antes ou até a mais importante função de um CAP parece ser o de viabilizar a participação e articulação dos diversos atores, organizar o debate e dar transparência. Principalmente às decisões estratégicas.


Há muito essa pauta poderia estar sendo discutida. Mas nunca é tarde: esse debate pode começar hoje, e ser uma grande contribuição, tanto para o futuro de Santos como dos portos brasileiros em geral.


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