Boas notícias da desestatização portuária

Há muito a ser esclarecido e detalhado, mas a diretriz anunciada pelo secretário de Porto já merece ser saudada

Por: Frederico Bussinger  -  10/08/22  -  06:10
O porto de Santos está prestes a ser desestatizado
O porto de Santos está prestes a ser desestatizado   Foto: Arquivo/AT

As informações chegam a conta-gotas: por meio de matéria publicada por A Tribuna em 4 de agosto, passou-se a saber que o Governo estuda mudar regra do leilão do Porto de Santos. Agora revelam-se alguns detalhes, como na edição de ontem de A Tribuna, como o fato de “a participação de empresas instaladas (...) em até 100% de forma conjunta, porém limitada a 5% individualmente, está no rol de possibilidades analisadas (...). A informação foi confirmada pelo secretário Mario Povia”.


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Consumada, seria esta uma primeira grande mudança no modelo: se aquele apresentado no início do ano estaria “empurrando o futuro concessionário para um modelo de investidor financeiro”, conforme representante da Centronave disse na audiência pública de março, as regras ora em análise o empurram para operadores pré-estabelecidos. Trocando em miúdos: o consórcio vencedor poderia ser composto por 20 ou mais operadores e arrendatários do porto organizado. Quiçá por Terminais de Uso Privado (TUPs) e concessionários rodoviários e ferroviários.


Há muito a ser esclarecido e detalhado, mas a diretriz anunciada pelo secretário já é uma boa notícia e merece ser saudada! No mérito, porque contribui para maior consistência conceitual e técnica, transparência do processo e alinha melhor o binário problemas-soluções. Por exemplo: i) o caixa atual da Santos Port Authority (R$ 1,5 bilhão) e suas receitas próprias (R$ 24 bilhões) são capazes de bancar, e com sobras, tanto os R$ 14 bilhões de custeio (Opex) como os R$ 4,4 bilhões de investimentos previstos, e outros necessários (Capex). Assim, investidor “com bala na agulha” não é fator crítico de sucesso (FCS) da desestatização. ii) ao contrário, o FCS é gestão/governança... no limiar do reconhecimento que administração portuária não é um ativo, mas uma função! iii) a procedência do dito popular de que “o olho do dono engorda o gado”, quem melhor para gerir a dragagem (um gargalo sempre brandido para justificar a desestatização!), por exemplo, que aqueles que sofrem as consequências da não dragagem?


Boa notícia, ademais, porque minimiza o risco de a noiva ser apresentada ao noivo só no altar; como muitos casamentos do passado e recentemente no leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). Também porque poderia acomodar interesses conflitantes de grandes grupos. Com tais características, o modelo resultante se aproxima muito da administração portuária condominial (APC). E, mais especificamente, se aproxima daquele que foi proposto para a Ferrovia Interna do Porto de Santos (Fips). Inevitável a pergunta: se gestão condominial é jurídica, técnica e administrativamente factível para a ferrovia do Porto de Santos, por que não seria também para suas demais infraestruturas básicas e serviços comuns? Vale lembrar que ferrovias e portos são regrados pelo mesmo artigo e inciso da Constituição Federal (Artigo 21; XII); sendo separados apenas por uma alínea (respectivamente, "d" e “f”).


Similares, mas com algumas diferenças; destacando-se:


Semelhanças: ambos os modelos requerem uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) gestora de infraestruturas e serviços comuns.


Diferenças: i) no modelo inicialmente proposto, o universo de potenciais integrantes é o mercado; no da APC (Fips como referência), seria um grupo pré-selecionado: arrendatários e autorizatários (terminais portuários); e concessionários (ferrovias e rodovias); ii) naquele, a escolha seria por meio de leilão; neste, por chamamento público; iii) naquele, a exploração do ativo é um direito; neste, a gestão do condomínio é uma obrigação (complementar àquela da outorga inicial).


Sabe-se que autoridade-administradora é descentralizada, autônoma e pública na esmagadora maioria dos portos relevantes do mundo. Mas, se a opção for mesmo por desestatizá-la/privatizá-la, não seria a APC uma alternativa mais indicada? Inclusive mais célere? Vale lembrar que: i) o arcabouço jurídico é hoje distinto daquele quando o modelo de APC foi estudado; ii) a Fips superou barreiras então existentes (vide ato justificatório da sua documentação); iii) o caminho da tramitação está pavimentado: o Tribunal de Contas da União (TCU( vem de aprovar o modelo associativo proposto pelo Governo para a Fips. Seria essa a próxima notícia do conta-gotas?


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