Sincerões virtuais com efeitos reais

Julgamentos ofensivos e desrespeito nas redes sociais não contribuem com a formação de opinião, mas demandam cuidados

Por: Fernanda Lopes  -  27/04/24  -  21:47
  Foto: Banco de imagens

As redes sociais são um sincerão do Big Brother todo dia. As pessoas comentam em postagens o que lhes vêm à cabeça como se do outro lado não tivesse um ser humano lendo comentários sobre sua vida, seu trabalho, seu legado, seus filhos, seus cachorros ou qualquer assunto. Afinal, parece que só há especialistas teclando.


Em uma postagem recente sobre um ranking de restaurantes foi uma chuva de críticas, algumas claramente de quem nunca esteve no lugar mas que fez questão de desmerecer o trabalho de quem nem conhece.


Sabe quando lá nos Sincerões roteirizados pelo Boninho os confinados se ofendiam mutuamente em uma estratégia de jogo? Na internet, isso acontece sem estratégia e sem nenhum milhão em disputa, só pelo prazer de falar mal, de julgar, ou, simplesmente, porque as pessoas não conseguem deixar de dar sua opinião sobre tudo.


O julgamento nas redes sociais é cruel e rápido, sem análise de provas, contexto ou lados da questão. Antes da internet, as discussões se resumiam a mesas de bar, reuniões de trabalho ou encontros familiares. Muitas vezes, o alvo do julgamento nem ficava sabendo. Agora, tudo é às claras, apesar de os acusadores e donos da razão se esconderem por trás de endereços de IP, telas e avatares.


Me chocou, particularmente, um vídeo de uma bebê de cerca de 1 ano, que ainda aprendia a andar, mas que, como toda criança saudável, esbanjava energia. Ela estava na cozinha com um irmão mais velho, de uns 4 anos, que estava sentado, tranquilo. A legenda dizia: “se ela fosse a primeira eu não teria o segundo”. Levando a entender que a caçula era mais levada. Na cena, a bebê subia na cadeira, se pendurava em um puxador do armário e, assim, acabava caindo de cabeça no chão.


Fiquei até nervosa de ver o desenrolar do vídeo. Acredito que nada demais deva ter ocorrido, já que o post estava em tom de piada. O que me deprimiu foi ler os comentários: “tomara que tenha aprendido”, “merecia apanhar”, “se fosse castigada não faria isso”, “bem feito”... Eram tantos e tão cruéis. Com um bebê! Antes, as pessoas escondiam esses seus lados sombrios. Agora, se orgulham de expô-lo, já que há eco, curtidas e repostagens.


Como se antevisse o que viria, numa de suas citações, Albert Einstein disse: “Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa humanidade”.


E nós sabemos que estamos sendo permanentemente julgados por nossas exposições, mas o empreendedor que não usa essa ferramenta de divulgação acaba no limbo do ostracismo e na falência. É como se não existisse.


Diante disso, vivemos uma era de pessoas ansiosas. Pesquisa encomendada pela Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos, mostra que quatro de cada dez pessoas se sentem cobradas pelos conteúdos que compartilham e têm medo de serem julgadas. Além disso, 1/3 dos entrevistados relatou se sentir muito ansioso para saber se suas postagens serão bem aceitas. Por fim, mesmo quando estão com problemas, 65% admitiram que se sentem pressionados a só fazer publicações muito positivas.


O que mais me choca nos comentários das redes sociais é que as pessoas não se intimidam em ofender. Escrevem barbaridades de quem elas nem ao menos conhecem, baseando-se em textos de cinco linhas dos posts, porque nem se dão ao trabalho de clicar para ler a notícia completa.


A fofoca considerada inofensiva dos bares e esquinas, tornou-se perigosa e angustiante. Empatia, respeito, integridade mandaram lembranças. Pois não aparecem faz tempo.


O que vemos é um show de horrores que não acrescenta, só subtrai. Tira nossa sanidade, mina nossa autoestima e infla nossas inseguranças. São os sincerões virtuais com efeitos bem reais.


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