Os sotaques do Brasil

Fernanda Lopes. Jornalista e gastróloga

Por: Fernanda Lopes  -  03/02/24  -  06:44
  Foto: Reprodução/Rede Globo

Como o Brasil é um continente chamado de País, não deveria causar espanto que uma casa com gente de todo lado tivesse um festival de termos estranhos para uns e conhecidos para outros. O Brasil tem conhecido o sotaque amazonense da manauara Isabelle no BBB 24. Aliás, na casa mesmo ela só é chamada de cunhã, palavra que poucos fora dos limites do Norte conheciam e agora, graças ao protagonismo de Isabelle, ganhou holofotes. Ela é a cunhã-poranga, personagem indígena do Garantido, na belíssima e emocionante disputa do Festival de Parintins.


O espetáculo divide o Amazonas em azul, do Caprichoso, e vermelho, do Garantido. De forma inédita, as duas torcidas se uniram para votar na permanência de Isa no BBB, deixando de lado uma rivalidade que extrapola um Fla-Flu. Recomendo que assistam no YouTube a alguma edição do festival. É um show de folclore brasileiro, de cultura indígena e de valorização das nossas origens, além de ser lindo, contagiante e muito profissional.


Há dois participantes paraenses na casa do Big Brother deste ano: Marcos Vinícius e Alane, cujos sotaques são bem diferentes da cunhã-poranga, apesar da proximidade dos estados, mostrando como este País é rico.


Nos últimos dias, o Brasil presenciou tretas pesadas entre os participantes. A carioca da gema Fernanda, com seu ‘R’ puxado e deboche para dar e vender, criou um meme na sua briga com a paraense Alane. “Chora, bonequinha” rodou as redes sociais e promete render muito assunto. No rebote, Alane soltou vários ‘tu’, parecendo até que é santista. Eu nem sabia que no Pará também se fala ‘tu’.


Mas ganhou fama para valer essa semana a palavra ‘calabreso’, entoada a plenos pulmões pelo baiano Davi. Segundo o Google Trends, só na quinta-feira, o termo teve mais de 100 mil pesquisas. Eu fui uma delas.


Outros termos já tinham despertado curiosidadeem edições anteriores: basculho, vigorar, sororidade, fora a mulinga da campeã Juliette. E o tal “calma, calabreso!” já é uma das frases mais faladas e ouvidas de Norte a Sul. Do Oiapoque ao Chuí. Sua origem, confesso, é decepcionante. É um termo novo e sem muito significado: um bordão do ator Toninho Tornado em seus esquetes humorísticos nos quais troca palavras no feminino pelo masculino. Muçarela vira muçarelo, delícia se transforma em delício e assim vai. Tornado é mineiro criado na periferia de São Paulo, mistura de brasis. A namorada de Davi, que tem uma barraca de lanche em Salvador, está capitalizando e criou o X-Calabreso.


O BBB 24 é o retrato do Brasil: diverso e cheio de sotaques diferentes. E vez ou outra ainda vem com palavras fora da nossa caixinha para a gente aumentar o nosso repertório de brasilidade.


Com a internet, as distâncias geográficas se estreitaram e também os costumes passaram a ser mais compartilhados. Minha sobrinha Giovana, de 7 anos, que nasceu em Santos, mora em Manaus e passa as férias por aqui, tem uma mistura de sotaques única. Mas, recentemente, tudo para ela era “misericórdia”, com o ‘có’ bem agudo. Ficamos intrigados de onde vinha isso. Até que assistindo a uma das muitas influencers-mirins que ela gosta, descobri. A menina, de uns 10 anos, cuja vida é acompanhada em vídeos no YouTube, é pernambucana e fala de cada três palavras, quatro ‘misericórdia’, sempre naquele prosear gostoso de Recife.


E não há dúvida, sotaque é contagioso. Não há vacina para evitar. Só se ‘cura’ com distância, mas se for desde criança, nem o tempo, nem ficar longe tiram isso da gente. É essência que deve ser preservada e passada de geração para geração.


Tudo sobre:
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter