Mimetismo

A recatada e tímida do interior vira uma descolada e destemida mulher

Por: Fernanda Lopes  -  13/04/24  -  07:17
  Foto: Unsplash

Sabe aquelas histórias do cinema ou da literatura em que a personagem sai da sua cidadezinha minúscula em uma remota e esquecida parte do planeta e, ao chegar na metrópole, se sente livre para trocar de pele e ser quem ela sempre desejou ser?


A recatada e tímida do interior vira uma descolada e destemida mulher; o nerd retraído se transforma em um hipster antenado... Em cidades grandes você pode ser mais um e nem ser notado ou pode se fazer notar. Quando estive em Nova Iorque, me deu essa impressão. De que ali, atravessar a Ponte Verrazano-Narrows era como sair daquelas caixas de mágicos. Você entra um coelho e sai um pássaro. Livre.


Ao mesmo tempo que todos pareciam apressados, havia uma vida sendo vivida. Pessoas conversavam e tomavam seus cafés enormes com sanduíches de receitas do mundo todo, dos kebabs aos croissants, falando entre si e em seus celulares da ‘maçã’.


Sentados em praças, jardins, escadarias de igrejas, museus e até em cemitérios. Sim, pertinho do Bryant Park me deparei com uma dezena de jovens devorando seus almoços ao lado de belas e ajardinadas lápides. E eram muitas tribos misturadas, diversas e juntas.


Lá, as pessoas andam falando alto em seus fones quase invisíveis como se conversassem com fantasmas. A impressão é que tudo é permitido, mas o espaço pessoal é respeitado. Ninguém repara em você.


Mas, cá pra nós, sabemos que não é fácil como nos livros e filmes trocar de pele em um mimetismo que a natureza reservou a poucos, por necessidade ou privilégio.


Ao mesmo tempo que o desconhecido nos permite tanto, nos tira algo também. Na cidade pequena, aquela em que os capítulos parecem já terem sido escritos antes de você sequer ter nascido, há a segurança do conhecido, do que todos sabem de cor. Sentir-se em um tabuleiro com lugares marcados a cada peça tem lá sua comodidade. E não tenha dúvida, sair de zonas de conforto é mais do que desafiador, é amedrontador.


No entanto, junto com o frio na barriga (ou a dor de barriga mesmo) das mudanças radicais, vem essa quase permissão de se transformar. A gente não precisa inventar uma nova vida ou sucumbir à onda do momento. Basta se dar o direito de fazer algo bem diferente. Sacudir suas próprias estruturas, se você assim quiser, de vez em quando. Sem pensar que o vizinho vai te julgar, afinal ele pode nem te ver.


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