Fernanda Lopes: Vendaval aromático

Quem nunca se viu preso em um espaço limitado com alguém que se banhou em perfume?

Por: Fernanda Lopes  -  17/02/24  -  06:36
  Foto: FreePik

Quem nunca se viu preso em um espaço limitado com alguém que se banhou em perfume? Por mais caro que seja, se a quantidade for exagerada, o efeito é devastador (e não falo no bom sentido). Parece aquela metáfora do vento no fogo. Um sopro apaga a chama, mas a ventania aumenta a fogueira.


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Para alguém com todas as ‘ites’ alérgicas existentes no catálogo médico, é ainda mais aterrorizante. Sim, estou sendo dramática, mas os motivos são meus atenuantes. Alguns minutos presa em uma caixa de metal com quem mergulhou no frasco de Paco Rabanne me rendeu bons (ou maus) dias de coriza. Dali em diante, minha rotina foi de um funga-funga enervante e algumas dezenas de espirros diários.


O horário também parece influenciar nesses efeitos nocivos. Eram 7h30 quando me deparei com o garoto-propaganda do Paco. Meu corpo nem bem tinha feito o download da alma e já fui nocauteada por um vendaval aromático. O primeiro espirro aconteceu ali mesmo, de forma constrangedora.


Contando os andares para chegar ao térreo e abrir a porta ao ar livre, fui caçando meu pacotinho de lenço de papel na bolsa. Sempre ando com um. Meu marido tira onda do tamanho da minha bolsa. Me chama de Mary Poppins e me alerta para o peso na minha coluna, mas é que sou prevenida. Nem tanto, já que não tinha uma máscara. Minha companheira inseparável por tantos meses não faz mais parte do meu kit de sobrevivência casa-trabalho de todo dia. Porém, depois do episódio ‘vendaval aromático’, voltou a ser incluída.


Saí quase correndo quando a porta de aço se abriu, louca para ver um céu sobre minha cabeça, mesmo que cinza e chuvoso como o daquela manhã. Ufa, enfim respirando novamente. Sim, prendi o ar o máximo que pude para evitar estragos maiores.


Não me entendam mal. Adoro aromas, perfumes. Tenho uma coleção. Já fui à chamada cidade do perfume na França, Grasse, onde borrifa-se colônia nas ruas. Uma poesia de lugar. Gosto de identificar as pessoas por seus aromas. Cheiros nos abrem portas para lembranças. Mas eles devem combinar com você e com seu estado de espírito, sem serem invasivos.


Na literatura, por exemplo, o perfume conduz e reforça a identidade e o estado de espírito dos personagens. Há um trecho da crônica Os Perfumes da Terra, de Clarice Lispector, em que ela mostra isso lindamente:


“Já falei do perfume do jasmim? Já falei do cheiro do mar. A terra é perfumada. E eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. (...) Uso um perfume cujo nome não digo: é meu, sou eu. Duas amigas já me perguntaram o nome, eu disse, elas compraram. E deram-me de volta: simplesmente não eram elas. Não digo o nome também por segredo. É bom perfumar-se em segredo.”


Uma semana depois do episódio do elevador, quando já até havia me esquecido dele, eu mesma fui a vilã da minha rinite. Depois de ler que os agentes de Saúde tinham achado 57 focos de dengue em uma só manhã no meu bairro, fui à caça de um repelente. Estava de saia e achei que minhas pernas seriam o petisco ideal para o glutão Aedes. Tinha em casa mesmo, perdido numa gaveta, mas não estava vencido – que milagre! Foi esquecido pelas minhas sobrinhas. Mas, assim que apliquei na pele, o alerta acendeu: “Deu ruim”. O produto era super, mega, hiperperfumado. Li, então, na embalagem: “cheirinho gostoso”. O que é um atrativo à maioria, para mim é literalmente repelente. Não só o mosquito deve tomar distância, eu também. Mesmo assim, passei. Afinal, é melhor um funga-funga irritante do que uma dengue.


PS.: no dia seguinte fui à farmácia e achei um repelente sem cheiro para ficar devidamente protegida, mas sentindo somente o perfume de acordo com meu humor do dia e na medida certa.


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