Fernanda Lopes: Nostalgia nas alturas

Não faz muito tempo que viajar de avião era um acontecimento

Por: Fernanda Lopes  -  02/03/24  -  07:27
  Foto: Imagem ilustrativa/Reprodução/Unsplash

Não faz muito tempo que viajar de avião era um acontecimento. Para comprar uma passagem, a gente tinha que ir até uma agência ou ao guichê no aeroporto. Igual aos filmes de romance, sabe? Aqueles em que o mocinho percebe, quase tarde demais, que ama a mocinha e precisa chegar até ela convencendo a funcionária da companhia aérea a lhe vender qualquer assento, mesmo que seja uma fortuna. Bem, hoje o roteirista faria o protagonista clicar algumas vezes no celular e pronto, eis o e-ticket para o ‘felizes para sempre’. Dá para fazer tudo on-line. Uma lástima para a emoção e uma maravilha para a praticidade.


Toda essa tecnologia a nosso serviço é muito boa, mas era uma sensação incrível sair com o bilhete na mão. Parecia mais real. O impresso era como um livrinho para ser folheado. Ele tinha todas as informações do embarque, regulamentos e até uma capinha com seu nome e um logotipo caprichado. Alguns traziam até um mapa com detalhes dos trechos a serem percorridos, números de voos e horários.


Tudo parecia mais glamouroso. Principalmente o atendimento e os serviços oferecidos. Sem falar do espaço entre os assentos. Ele existia! E por ele era possível passar uma pessoa, mesmo que outra estivesse sentada ao lado. Agora, isso é uma missão impossível. Quando o viajante da janela precisa ir ao banheiro, todos ao lado têm de se levantar. É praticamente uma procissão. Os corredores que levam ao toalete são tão estreitos que é difícil caminhar sem esbarrar em quem está sentado. Você está lá quase dormindo e alguém te dá uma braçada. É susto atrás de susto, não bastasse o fato de que você está em uma lata gigante a ‘trocentas’ milhas da terra firme. E, sinceramente, a impressão é de que até o estofado está mais duro.


Normalmente, eu me considero uma companheira de voo fantástica. É mais provável que eu tenha uma infecção urinária do que peça para alguém levantar para eu ir ao banheiro. Em geral, não acordo a pessoa ao meu lado nem se ela estiver dormindo no meu ombro, babando em cima de mim. Se estou viajando sozinha, peço (ou melhor, compro, já que agora tudo é extra e pago) o corredor. Prefiro ficar sem a paisagem a ter que obrigar todos a se levantarem cada vez que precisar esticar as pernas. E faço isso de tempos em tempos, depois que um conhecido teve trombose ao chegar de um voo longo. Sou daquelas que anda, se estica, faz alongamento, mesmo no espaço diminuto das aeronaves.


E a comida em tempos nostálgicos era outra história. Voos curtos, para o Nordeste, por exemplo, serviam refeições ou lanches bem caprichados. Nada de uma barrinha seca ou um saquinho minúsculo de bolacha.


No meu último voo internacional, confesso, a comida estava ótima e numa quantidade até exagerada. Eram tantos potinhos e saquinhos que ficava difícil equilibrar tudo na bandeja da área econômica. Aliás, é uma arte comer a muitos pés de altura. Ainda mais quando há uns sacolejos nada bem-vindos.


Sou letrada em organizar minha bandeja de modo que caiba tudo e, principalmente, o copo fique bem seguro. Mas meu vizinho de poltrona, infelizmente, não era. Ele estava em uma excursão para Israel com a comunidade da igreja de uma pequena cidade de Minas Gerais. Sim, ele também era falante e me contou detalhes do roteiro e da sua empolgação por conhecer o Monte das Oliveiras, a Basílica da Anunciação e outros pontos turísticos religiosos.


Sua animação estava bastante turbinada por alguns copos de vinho e cada vez que ele pedia para a comissária encher mais um, eu me encolhia para o lado oposto. Estava sentenciada, eu sabia, a tomar um banho. Previ, mas não havia o que fazer. O avião estava lotado. Não deu outra. O banho foi completo: calca jeans encharcada, assim como minha meia e até o meu tênis, que estava sob a cadeira. E era vinho tinto, para deixar tudo mais cor-de-rosa. Minha sorte é que não despachei bagagem. Fiz a mágica de levar somente bagagem de mão em uma viagem de 25 dias. Sim. Fiz isso pela primeira vez na vida, já que quero colocar o guarda-roupa todo na mala quando viajo. Com a malinha à mão, pude me trocar e até lavei a calça com medo de manchar, afinal eu não tinha vestuário de sobra. O meu vizinho, que já estava para lá de alegrinho, passou o restante da viagem se desculpando, mas sem parar de encher (e esvaziar) o copo. Foi uma longa e apertada jornada.


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