Fernanda Lopes: Memória (ou falta dela)

Atire a primeira pedra quem nunca cometeu uma gafe daquelas em que só se quer uma caverna escura para se esconder

Por: Fernanda Lopes  -  24/02/24  -  06:56
  Foto: FreePik

Atire a primeira pedra quem nunca deu um fora, cometeu uma gafe daquelas em que só se quer uma caverna escura para se esconder. Tenho uma coleção delas e a maioria tem a ver com a minha memória, ou melhor, com a minha falta de memória. Sou péssima em decorar rostos. E nomes. Números. Horas. Datas...


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Na mesma proporção que sou boa em recordar detalhes de histórias vividas por mim ou contadas por terceiros ou para decorar uma receita culinária de primeira, sou uma catástrofe em todo o resto. Sempre que entrevisto uma pessoa, a primeira coisa que faço é anotar o nome dela, porque terei que lê-lo algumas vezes para não dar um fora. Já fui capaz de esquecer o nome de uma Fernanda, ou seja, o mesmo que o meu. E não é falta de interesse, desleixo ou empáfia. Eu juro. É um defeito de fábrica, e me deixa aborrecida. É péssimo encontrar alguém que te trata com intimidade e não retribuir.


Quando eu era adolescente, minha mãe leu em algum lugar que deixar o alho de molho na água por 24 horas e depois beber a água era bom para a memória. E ela me convenceu a beber esse purgante um bom tempo. A fama deve ser porque a gente não esquece que tomou nem por decreto. O bafo é a prova concreta.


E imaginem, nessa minha profissão, conheço muita gente todos os dias. Posso me lembrar minuciosamente de uma história, mas não conseguir tirar lá do fundo da mente quem me contou. Já desisti de disfarçar. Acho melhor falar que não sei o nome ou de onde conheço do que ficar de fingimento. Problema mesmo é quando são pessoas que tive muito contato. Já aconteceu. Daí encontra na rua junto do marido e para apresentar. Fica aquele vácuo. Esse é meu marido e essa é a...???? Que vexame.


Tenho um amigo que é ainda pior que eu. Ele é falador, quer sempre puxar papo com todo mundo, do motorista do Uber ao garçom; da recepcionista ao diretor. Daí, é lógico que o perigo de foras homéricos é maior. Aquela velha gafe de perguntar se a mulher está grávida quando ela não está ganhou pitadas de impiedade com ele. Olhe o diálogo dele com uma amiga dos tempos de escola: “O fulano (marido dela) deve estar superfeliz”. Ela responde: “Não estou mais casada”. O meu amigo nem deixou ela terminar e fala: “Mas o filho é dele?” Ela pergunta: “Que filho?”


E nem assim ele se liga e continua, mesmo comigo do lado cutucando seu braço em uma aviso de ‘fica quieto, linguarudo’. “Você está de quantos meses”, foi a próxima pergunta emendada em um “Já sabe se é menino ou menina”. E ela, atônita, começa a rir, acho que de nervoso. Sem noção, ele segue o interrogatório. “Caramba, o fulano (ex-marido agora) sempre quis ser pai”. Recuperada, a amiga-vítima fala: “Ele teve filho com a nova esposa e eu só engordei”. Nossa, até eu que estava só do lado e nem fazia parte do quase monólogo quis me enterrar na areia. Pensa que ele aprendeu. Depois dessa, deu foras parecidos.


O namorado de uma amiga, cuja família é muito grande, estava tentando se habituar com o número de primos da sua nova futura família, maior do que a população de algumas aldeias portuguesas, quando foi com ela em um dos muitos casamentos do ano. Afinal, as idades da primaiada eram próximas e depois do primeiro, parecia que todos queriam sacramentar o matrimônio.


Minha amiga instituiu uma regra: ele estava proibido de falar prazer te conhecer, já que muitos ali já tinham sido apresentados em outros festejos open bar, o que é ainda pior para a memória. Querendo ser simpático e conquistar aquela multidão familiar, fez parte de muitas rodinhas de conversa, esbanjando carisma. Certa altura, um dos primos que ele não fazia ideia de quem era, fala: “Você gosta de pescar?” Ele responde: “Nunca pesquei, mas acabei de conversar com um casal que sempre vai para o Pantanal. Você tem que conhecê-los”. E o tal do primo diz na lata: “Acho que está na hora de você parar de beber. Fui eu e minha mulher que falamos isso para você!”


Ele, que nem bebia, achou melhor fingir que estava alto do que ser o novato arrogante que não lembrava da família da namorada. Afinal, ele pretendia ser o próximo da lista de matrimônios, o que era um alento, já que teria o resto da vida para conseguir não confundir a primaiada.


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