Fernanda Lopes: Coleção de idades

Mais um janeiro chegou e, com ele, logo vem idade nova, mais uma para a minha coleção

Por: Fernanda Lopes  -  13/01/24  -  05:52
  Foto: Pixabay

Mais um janeiro chegou e, com ele, logo vem idade nova, mais uma para a minha coleção. Sim, vamos colecionando idades. Todas elas se mantêm com a gente. Algumas mais marcantes, como os emocionantes vinte e poucos anos ou os 18 e a licença para dirigir. Todas as idades ficam empilhadas, em blocos de experiências, êxitos, frustrações... E também em rugas e gordurinhas em locais indesejados.


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Recentemente, tanto essas gordurinhas como a coleção de idades que aumenta exponencialmente me trouxeram uma nova companheira: a fascite plantar. Ela me lembra permanentemente que tenho pé. Sim, ele dói parado e ainda mais andando. Logo eu, que sempre adorei dar longas caminhadas, estou proibida de fazê-las. E ainda ganhei duas dezenas de sessões de fisioterapia e uma tala para dormir.


Tudo muito estranho. Às vezes, acho que um alien se apoderou do meu corpo, mas não da minha cabeça. Porque nela ainda me sinto nos vinte e poucos anos. Pena que os pés e outras partes não concordam e fazem questão de jogar este fato na minha cara. Tudo bem, é só mais um bloco na pilha que vez ou outra ameaça ruir e se espalhar, bagunçando tudo.


Nunca fui muito afeita a comemorar aniversários. Nem mesmo quando o desejo era ficar mais velha. Faz tempo... Parece que foi em outra vida. Aliás, mais do que colecionar idades, colecionamos vidas. Porque tudo vai mudando. Mesmo o que se mantém, muda. A família é a mesma, mas diferente. Amigos, alguns seguem firmes, outros se foram e uns tantos vão sendo adicionados. Porém, todos vão mudando.


A gente pode até morar na mesma casa, na mesma cidade, no mesmo emprego, que tudo vai ser diferente de quando começou. A vida é como gavetas na mudança. No primeiro dia, estão vazias e abertas para tudo o que vier, preenchidas só de expectativas. Aos poucos, vamos arrumando, ocupando.


No começo, há espaço, uma certa organização. Daí, então, há momentos de pressa e ímpetos em que tudo fica bagunçado. Há outros em que nos desfazemos do que não serve mais. A certa altura está tudo cheio de tralhas antigas, que imploram por uma renovação, pedem uma sacudida para extravasar o que não cabe mais.


Mas é difícil, afinal, todas as idades estão ali. Ainda bem. São pedaços importantes de quem se é. Até o que sabemos (ou aprendemos) que temos que dispensar é importante.


Mesmo não sendo do tipo que ama ou faz questão de festa de aniversário, já tive algumas de que gostei. Quando fiz 14 anos, pedi para meus pais fazerem um bailinho em casa. Sim, era a época da disco, daqueles globos de espelho girando no meio da sala e dos passinhos coreografados. Eles disseram sim e lembro que fiquei uma semana sem dormir de ansiedade.


A casa ficou cheia. Na mesa, coxinhas e bolinhas de queijo disputavam as atenções com os sanduichinhos de pão de forma com patê e a torta de liquidificador. No aparelho de som 3 em 1 tocava de Blitz a The Police, passando por Air Suply, Lobão, David Bowe e Raul Seixas. Eu tinha um vizinho que era DJ, mesmo que na época a gente não chamasse assim. Ele era o técnico de som das matinês do Tumiaru e me ajudou na playlist e também me emprestou os discos que eu não tinha.


Nessa época, em que o Spotify ou o Deezer não eram nem embriões, a gente tinha que gravar músicas, em fita cassete, da programação das rádios FM. Ficávamos lá esperando tocar a faixa desejada para apertar o REC. A frustração acontecia cada vez que o locutor falava em cima da voz do cantor ou cantora estragando a gravação. E, sádicos, eles faziam isso sempre. Foi uma boa festa.


Em 2020, decidi de última hora reunir um grupo de amigos, irmãs e sobrinhos para um almoço em casa. Não ía fazer nada e dois dias antes decidi e esquematizei tudo. Que sorte. Acho que foi uma intuição, porque fiquei quase um ano sem vê-los pessoalmente por conta da pandemia, que chegou um mês depois.


Isso me fez pensar que aniversários são ótimas desculpas para comemorar com quem amamos. É perfeito para aumentar a coleção de idades e de bons momentos empilhados nas gavetas, que mesmo bagunçadas são como aquela frasqueira da Mary Poppins, sempre há espaço para o que faz bem. Se ficar muito cheia, é só dar uma chacoalhada. A vida precisa de umas sacudidas.


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