Crianças e seus sustos

Quaisquer breve descuido pode proporcionar grandes perigos, mas também muitos aprendizados

Por: Fernanda Lopes  -  30/03/24  -  07:29
  Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Vocês leram a notícia de um bebê de 1 ano e 8 meses que ‘fugiu’ de casa e foi encontrado por guardas na beira de uma estrada? Chamou ainda mais a atenção o fato de um cachorro caramelo, o típico sem raça determinada, estar protegendo a criança. Quando a polícia foi pegar o menininho, o cão pulou e latiu, como um bom guardião. A criança teria saído de casa no meio da madrugada sem os pais, que deviam estar dormindo, verem. Abriu o portão e foi andando, sem destino. Óbvio, tudo isso tem que ser investigado e confirmado, afinal trata-se de um ser vulnerável que requer atenção o tempo todo. Mas é fato sabido: bastam alguns segundos para uma criança se machucar ou se colocar em risco.


Sou a prova viva (por muita sorte) de que crianças, mesmo as mais tranquilas, podem dar sustos épicos nos pais. Era um domingo de sol e eu, ainda filha única, estava entediada e insistindo para que fôssemos à praia. Meus pais estavam ocupados, arrumando algo na casa e, para me distrair, chamaram dois amiguinhos vizinhos da minha idade para brincarem lá em casa. Deixaram a gente no meu quarto por poucos minutos, mas foi o tempo necessário para eu arquitetar com meus dois ‘comparsas’, um plano de fuga para praia. Veja bem, nós tínhamos 4 anos, mas conseguimos escapulir pela porta da frente sem sermos vistos e andamos cerca de quatro quarteirões até meu pai nos encontrar. Conforme minha mãe contou, estávamos, os três – eu, Dani e Paul – de mãos dadas andando na maior normalidade em direção à Praia do Itararé e indo para o lado certo. Morávamos na Vila Valença, em São Vicente, e fomos ‘resgatados’ na movimentadíssima Av. Presidente Wilson, a qual já havíamos até atravessado.


Não me lembro exatamente do ocorrido, porém me recordo da bronca. Sei que minha mãe chorava, mas mesmo aliviada não amoleceu para o meu lado. Fiquei de castigo e meus ‘comparsas’ também. Eles eram norte-americanos e tinham mudado há pouco tempo para o Brasil, o que deve ter assustado ainda mais os pais deles. Sempre tive esse ímpeto independente. Desde cedo me virei para tudo e me dei mal algumas vezes por isso: fui assaltada em local em que não deveria ter ido sozinha, fiquei na mão sem carona para voltar de passeios distantes, tive o carro atolado em lamaçal, fiquei sem comida com amigas no meio de uma reserva ambiental isolada e até me vi ilhada em um Carnaval.


Tinha 16 anos e insisti durante um mês para meus pais deixarem eu viajar a Ilhabela com uma turma de amigos um pouco mais velhos, que já estavam na faculdade. Eu já trabalhava, então tinha guardado um dinheirinho. Sabe aquele ditado ‘não é balada, é cilada’? Pois foi isso. É preciso lembrar que era uma época pré-internet e não vimos o que estávamos alugando. Fretamos um micro-ônibus para nos levar e buscar. Chegando lá, a tal pousada era um muquifo, com cinco quartos no fundo de um terreno, um só banheiro, e cada quarto tinha só uma cama de casal. Nós estávamos em 15 pessoas! O pior: tudo na cidade estava lotado.


Como éramos jovens, nos divertimos muito mesmo assim. Fizemos tudo que planejamos: praia, cachoeira, baile de Carnaval, bloco, passeio de barco e muita paquera. O problema maior foi no fim do Carnaval. Caiu uma daquelas tempestades de verão e uma barreira fechou a estrada. Ficamos literalmente ilhados. Nosso micro-ônibus não conseguia passar, o que demorou quatro dias. E o dinheiro tinha acabado. Bendito cartão de crédito que me salvou na era em que Pix não era nem um embrião. E meus pais do outro lado da linha do antigo ‘orelhão’ ou telefone público morrendo de preocupação.


A chuva que alagou tudo e nos prendeu naqueles quartos minúsculos ainda acordou toda a superpopulação de borrachudos de Ilhabela. Voltei parecendo uma peneira de tanta picada e com um rombo no meu cartão. Me arrependi? Não mesmo. Valeu cada perrengue, porque me preparou para outras aventuras e ciladas, que conto em próximos capítulos.


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