Um ano sem o rei

Parentes e amigos falam com saudade e admiração de Pelé, que morreu em 29 de dezembro do ano passado, aos 82 anos

Por: Eduardo Silva e Roberto Salim  -  29/12/23  -  07:02
Um ano sem o melhor jogador de futebol de todos os tempos
Um ano sem o melhor jogador de futebol de todos os tempos   Foto: Arquivo AT

Um ano sem o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Foi mais rápido do que uma arrancada dele até a área adversária, do que uma bicicleta do Rei. Hoje faz um ano que Pelé deixou o planeta que tanto encantou com uma bola. Se os companheiros de Santos não esquecem, imagine a família. A irmã Maria Lúcia do Nascimento Magalhães se emociona quando fala do irmão.


“Passou muito rápido. Uma velocidade surpreendente. Ele estava de passagem, como todos nós, mas é doído. É complicado. Eu sinto muita falta”, argumenta. “Faz um ano do dia que a gente nunca queria que chegasse”, completa Danielle do Nascimento Magalhães Zilli, filha de Lúcia e sobrinha de Pelé.


O ex-goleiro Edinho, filho do Rei, confessa que viveu uma experiência de vida diferente neste ano. “Eu passei o ano de cerimônia em cerimônia. De homenagem em homenagem, representando a família. Isso fez com que a despedida dele sempre estivesse muito recente no meu sentimento, no meu coração. Sempre estava revivendo esse momento. Aí eu pisquei o olho e passou um ano. Impressionante. Parece que foi ontem que ele nos deixou. De fato foi uma experiência incrível. Estou tendo a chance, junto com a minha família, de perpetuar o legado que ele deixou. Ele escreveu uma história incrível, que será contada, para sempre, a toda a humanidade”.


Edinho revela que tem um sonho. “Agora ele não está mais aqui e esse legado ainda é muito poderoso, muito importante, a incumbência da família é perpetuar sua trajetória. Eu sinto uma vontade muito grande, uma responsabilidade. Um ímpeto para construir algo palpável, influenciado por essa grande força, essa grande estrela, que ele hoje é. Uma coisa que vai atingir a vida das pessoas no sentido prático”.


Apesar da saudade, Lúcia e Danielle relembram vários momentos felizes da convivência com Pelé. Danielle recorda a humildade do tio: “Ele nunca se viu melhor do que ninguém. Uma pessoa incrível, que tratava todo mundo igual. Não tinha diferença hierárquica, tipo: ‘eu sou o Rei’. As pessoas que colocaram a coroa nele. As pessoas que intitularam. Não foi ele a si próprio”.


Lúcia tem uma visão muito sensível sobre o irmão. “Ele foi escolhido por Deus para representar o Pelé aqui na Terra, mas era meu irmão Dico, aquele que brincava, que convivia com a gente, como criança e como jovem”.


Depoimentos

Adilson
“Só posso agradecer por tudo o que o Pelé fez pelo Santos, pelo Brasil, pelo mundo, e por tanto que me incentivou. Ele me ensinou o caminho das pedras, e graças a Deus eu sempre procurei escutar e aprendi muita coisa boa com ele”. O atacante Adilson começou nas categorias de base do Santos, subiu para o time profissional e teve a chance de jogar com o Rei. “Joguei dois anos com ele. Não era fácil acompanhar o Pelé. A gente fazia o possível. E ele facilitava, porque arrastava dois ou três jogadores na marcação e aí sobrava espaço para mim e para o Cláudio Adão”. Adilson lembra do companheiro nos jogos. “Ele sempre incentivava, nunca menosprezou a gente. Sempre colocava a gente pra cima”. Ele viu do banco de reservas a despedida de Pelé contra a Ponte Preta, em outubro de 1974. “Eu não imaginava que ia ser daquele jeito. Quando ele parou no meio de campo foi uma surpresa para todos. Agradeceu a Deus, de joelhos, e o mundo todo aplaudiu. Todo mundo querendo abraçar e beijar o Rei, muito bacana aquela coisa, a gente nunca mais esqueceu”. Adilson teve a chance de jogar com a camisa 10 depois da saída de Pelé. E lembra quando a hora chegou. “Vi aquela camisa, com aquele 10 redondinho, aquela coisa maravilhosa, uma responsabilidade tremenda, né? Sabia que todo mundo ia ficar olhando e era preciso ter personalidade para entrar em campo”.


Marçal
"É um sentimento de tristeza muito grande. A gente não acredita que ele foi embora. A impressão é que ele está aqui perto agora”. O ex-zagueiro Marçal jogou 210 partidas com a camisa do Santos e, neste período, foi um grande parceiro de Pelé. A amizade dentro de campo saiu dos gramados e os dois aproveitavam os finais de semana no sítio de Pelé, em Juquiá, no Vale do Ribeira, ou nas pescarias na área do Forte do Itaipu, em Praia Grande. “Eu tenho lembranças muito boas porque nós tivemos uma amizade familiar. Era muito comum a gente ir nos dias de folga para o sítio dele ou então pescar no Forte. Ele descia a trilha do Itaipu, com a mochila nas costas, e a gente ficava pescando com os amigos o tempo todo. Esse era o Pelé que eu conheci. Mas, ao mesmo tempo em que ele era Rei, era muito humilde. Foi uma época maravilhosa”. Marçal também foi privilegiado por ver Pelé em ação. “Nos treinos é que dava para ver o diferencial dele. Tinha um raciocínio muito rápido. Eu, como defensor, quando tirava uma bola, depois ia pensar para quem passar. O Pelé, nos treinamentos, voltava um pouco para a defesa, e quando ele recuperava a bola era impressionante. Ele, vendo um companheiro lá na esquerda, já pegava e já virava. Isso era marcante. É por isso que ele foi o Rei. Era a força mental aliada a todas as condições técnicas que ele tinha, um arranque muito forte. Um potencial. Para subir de cabeça, para fazer gol. Foi um jogador diferenciado mesmo”. Marçal também esteve com Pelé na África, quando o Santos parou a guerra, e ficou impressionado com o que viu: “O Pelé era estimado no mundo todo, em todos os países o torcedor adorava o Pelé, mas nada se compara ao amor do povo africano. Eles tinham uma identidade com ele que era impressionante. Naquele momento em que o Santos parou a guerra eu estava presente, joguei as duas partidas e ali ele mostrou o prestígio que tinha. Uma coisa fantástica”.


Nenê Belarmino
“Muita saudade. Um amor muito grande por ele. Foi um pai dentro do futebol. Um pai que meu deu muitos conselhos, muitas broncas, mas tudo para o meu bem”. Nenê Belarmino chegou ao Santos ainda menino e, quem diria, teve a chance de ser escalado como titular com a camisa 9, que tinha sido de Coutinho, Pagão e Toninho Guerreiro, ao lado de Pelé. Nenê jogou 226 vezes com a camisa santista e marcou 61 gols. De tantas lembranças, ao lado de Pelé, uma ele não esquece. “Quase sempre ele era o último a entrar no túnel. Ele entrava já trotando no túnel, para entrar correndo no campo”. Nenê recorda bem de uma frase do Rei. “Nós não viemos para jogar. Nós viemos para ganhar. Vamos embora, moçada!”. O jovem Nenê olhava o camisa 10 mais famoso do mundo e só admirava. “Essa era a conversa na entrada do túnel. Era uma energia muito grande, porque vinha do Pelé. Aquele vozeirão que ele tinha. Falava na entrada de campo”. Nenê viaja nas lembranças do tempo e da magia do Rei do futebol. “A genialidade era outra coisa. Ele estava sempre adiantado. Em algumas jogadas que a gente fazia, a gente tocava e não entrava na área. Ele perguntava o porquê. E eu respondia que não era o Pelé”. E as excursões pelo mundo, como era viver aquilo? “No mundo todo ele tinha que sair primeiro do avião para levar o povo, porque com ele a gente não conseguia sair. Esse era o Pelé. Era reverenciado por tudo e por todos em todos os lugares”. Nenê também tem muita gratidão pelos conselhos que recebeu de Pelé. “O conselho é você guardar. Estude e guarde, porque no futebol, naquela época, o jogador com 30 anos já era velho. Hoje você joga até 40 ou mais”. Pelé falava com os mais novos. “Seja sempre profissional. O mínimo que você pode fazer é ser profissional e fazer o seu futuro. Hoje eu me sinto realizado no futebol. O Pelé é o maior do mundo. Se naquela época ele foi o melhor com gramados ruins, chuteiras, camisas e bolas ruins, imagine hoje. Ele não faria 1.283 gols, faria muito mais com os campos de hoje”.


Negreiros
“Esse ano todo passou rápido e o Rei pode ficar sabendo que nós estamos com ele. Nunca nós vamos esquecê-lo, mas nunca, nunca, nunca mesmo, porque nós estamos sempre juntos. Nós estamos olhando e mostrando para todos aquilo que ele fez. Morrendo de saudade”. O ex-meio-campo Negreiros saiu do futebol de várzea, junto com o parceiro Clodoaldo, e foi treinar no Santos. O bom futebol chamou a atenção de todos e o garoto revelado no futebol raiz foi para a Vila Belmiro. Quando começou a treinar com os profissionais, não se intimidava nem diante do Rei. “Num dia de treino, dei uma caneta nele e levei a maior bronca, era para jogar mais sério. E assim que eu pegava na bola ele falava para eu passar”. Negreiros ficava impressionado com o raciocínio rápido de Pelé. “Ele era diferente, e eu posso falar isso, porque joguei seis anos com ele. Uma vez, eu peguei uma bola, na meia direita, e passei para o Manoel Maria, porque havia três beques marcando o Rei, mas o Pelé falou que eu tinha que passar a bola para ele, porque ele jogava mais perto do gol. E no raciocínio dele eu atrasei a jogada, quando ele poderia receber a bola e a defesa ia se abrir. Esse tal de Pelé era fantástico”. Negreiros fala fácil e vai recordando o que viu do amigo famoso. “A gente até se assustava com tamanha categoria. Até hoje eu fico vendo as jogadas dele no celular”. Negreiros acha que o tempo passou rápido demais, mas nunca esquece do camisa 10 que encantou o mundo. “Na nossa rodinha de bate-papo você sempre está presente. Sempre tem algum lance do nosso amigo Pelé. Você para nós é o Rei. E esse Rei é uma coisa séria”.


Maneco
“Eu fui o zagueiro que mais marcou o Pelé”. O ex-zagueiro Maneco, bicampeão do mundo com o Santos, fala orgulhoso da missão de marcar o Rei do Futebol. “Como eu treinava entre os reservas e eram realizados dois coletivos por semana, sobrava para mim”. Mesmo com a dura missão de diminuir os espaços de Pelé, Maneco só guarda boas lembranças daqueles tempos. Do banco de reservas ou no campo, o zagueiro santista viu o Rei fazer de tudo. “O Pelé era o momento. De tanto treinar contra ele, durante quatro anos, você pensava: ele vai sair por aqui. Ele saía por outro lado. Ele vai fazer isso, ele fazia aquilo. Era muito improviso, por isso que ele matava os caras, né?”. Maneco começou no Jabaquara, passou pela Portuguesa Santista e se realizou no Santos. “O Pelé, nesse time do Santos, foi tudo. Só o nome dele. O peso do nome fazia diferença. E ele era muito legal, tinha grandes companheiros, aquele nosso time era uma família”. Maneco ficava impressionado com o jeito de Pelé até nos treinos. “Eu via um goleiro bater um tiro de meta e todo mundo matava a bola de um jeito. O Pelé era diferente. Ele já matava no peito iniciando uma jogada em direção ao gol adversário. Ele tinha uma matada de bola que ele saía para frente. Sempre para frente. Nada de tocar de lado. Para jogar com Pelé tinha que ser inteligente. Se o cara não tivesse inteligência, não conseguia jogar com o Pelé, porque o raciocínio dele estava à frente dos outros. É como o Pepe fala. Ele é um ET, um extraterrestre, é de outro mundo. Pelé era um cara educado, um cara bom. Mesmo que você tomasse a bola dele, o que era muito difícil, ele aceitava com a maior tranquilidade, ainda falava: ‘boa, garoto’”.


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