Acostumado a assistir na televisão anúncios de campanhas humanitárias para a África, de adesão a doações para instituições internacionais e outras ações de ajuda financeira para países subdesenvolvidos, impressiona o dado divulgado esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de que o Brasil tem quase 22 milhões de domicílios sem acesso adequado a comida, ou 27,6% das 78,3 milhões de residências permanentes. As regiões Norte e Nordeste são as que apresentam os maiores índices de insegurança alimentar, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). Os dados são piores do que em 2013.
A classificação adotada pelo levantamento considera insegurança alimentar moderada quando apenas os adultos da casa têm restrição no acesso à comida, ou grave quando também atinge as crianças. Nessa condição, o IBGE encontrou 8,67 milhões de moradias, onde se pode dizer que há fome atingindo toda a família.
Embora o total de domicílios com segurança alimentar venha subindo gradualmente no País, é preciso considerar que os impactos deletérios da fome duradoura causam males à saúde muitas vezes irreversíveis. Se a insegurança alimentar é grave, o cenário é ainda pior, porque se está falando de crianças em fase de crescimento, formação do intelecto e das capacidades cognitivas, impactadas pela não alimentação ou pela oferta ineficiente de comida ou vazia dos nutrientes necessários ao seu pleno desenvolvimento. Desse quadro vão sair gerações de jovens e adultos com incapacidades cognitivas, saúde fragilizada ou ineptos para o pleno mercado de trabalho.
O melhor índice brasileiro de segurança alimentar foi em 2013, quando 79,5% das residências brasileiras tinham oferta de alimento em quantidade e qualidade adequadas - contra 78,3 milhões do atual levantamento. Hoje, no Brasil, em mais da metade (50,9%) dos domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave o rendimento por pessoa era inferior a meio salário mínimo.
Falar em fome no Brasil é reforçar os conceitos de desigualdade social, e mais ainda quando se verifica que a prevalência da insegurança alimentar ainda está nas regiões mais distantes dos grandes centros desenvolvidos, notadamente no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
O mapa da fome deve ser ferramenta permanente do Governo Federal no estabelecimento de programas e políticas que assegurem a condição mínima para a sobrevivência das famílias - e a comida é a base mínima da dignidade humana.De dimensões continentais, o Brasil jamais poderá ser considerado um país de oportunidades iguais se nem a oferta de alimento chega para todas as regiões - o que se dirá de escolas públicas de qualidade e emprego qualificado. O combate à fome não pode sair do radar dos governos. Essa não é uma fotografia positiva para o País expor nos encontros internacionais.