Palpite infeliz

Não se discute a sinceridade e os propósitos do presidente Bolsonaro. Mas ele deve moderar seus pronunciamentos, sendo muitos deles feitos sob efeito da emoção ou influenciados por apoiadores

Por: Da Redação  -  07/02/20  -  19:20

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro que poderia reduzir a zero os tributos federais que incidem sobre a venda de combustíveis no país se os governadores estaduais fizessem o mesmo com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) provocou polêmica e reações.


Os governadores João Doria (PSDB-SP), Renato Casagrande (PSB-ES) e Eduardo Leite (PSDB-RS) descartaram qualquer mudança no modelo tributário, e Doria foi além, classificando a proposta como "populista", acrescentando que o corte de impostos deveria partir do Governo Federal. Leite, por sua vez, afirmou que "isso não é lógico, sensato ou razoável".


De fato, os tributos cobrados sobre os combustíveis no Brasil têm enorme peso na arrecadação. Se eles fossem zerados, haveria a perda de receita equivalente a 1,6% do PIB, cerca de R$ 115 bilhões. Em 2019, o Governo Federal arrecadou R$ 24,6 bilhões de PIS/Cofins sobre combustíveis, e mais R$ 2,7 bilhões com a Cide. Não há, evidentemente, condições para que a União abra mão dessa receita, tendo em vista o elevado déficit publico. 


As perdas nos estados seriam ainda maiores. Em 2019, eles receberam R$ 87,3 bilhões com impostos sobre combustíveis e petróleo, e o peso é grande na receita dos estados, representando, em média, 18% de todo o ICMS arrecadado. Destaque-se a difícil situação de todos eles, fazendo com que os investimentos no primeiro ano de mandato dos atuais governadores tenham caído 28,4% em relação a 2015, quando se iniciava o período anterior. 


A declaração do presidente veio em um momento de queixas generalizadas sobre o preço crescente nas bombas dos postos de todo o país. Constata-se que a redução do preço nas refinarias, que aconteceu nas últimas semanas, não chegou aos consumidores. Mas a proposta de zerar impostos é claramente inexequível e despropositada. 


Sem essa receita, os estados quebrariam e a União teria sua situação fiscal muito agravada. Sem dinheiro no caixa, a consequência imediata seria o corte generalizado de obras e programas sociais, penalizando a população mais carente. E haveria um efeito perverso: a redução do preço dos combustíveis, livre de impostos, incentivaria o consumo de combustíveis fósseis, com sérias consequências para o meio ambiente, com maior emissão de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global.


Não se discute a sinceridade e os propósitos do presidente Bolsonaro. Mas ele deve moderar seus pronunciamentos, sendo muitos deles feitos sob o efeito da emoção ou influenciados por apoiadores nas redes sociais, que insistem no confronto. Nessa mesma linha, suas declarações que pessoas com HIV "são uma despesa para todos", ao defender o programa de prevenção à gravidez na adolescência da ministra Damares Alves, foi inadequada e provocou desnecessário desgaste. 


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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